01/05/2020
Hoje parece mais provável que Bolsonaro sofrerá um impeachment. Terminar seu mandato parece o menos provável.
Lembremos o pano de fundo desta crise: a crise estrutural do capital que se agravou a partir de 2008, acirrando ainda mais concorrências entre os burgueses pela mais-valia produzida pelos trabalhadores e operários; a ausência da classe operária e dos trabalhadores na luta anticapitalista, o que abre um amplo campo de manobras para as classes dominantes e seus aliados; e, por fim, a atual crise que articula, como forma e intensidade inéditas, uma crise financeira com uma paralisia do setor produtivo graças à pandemia. Tratamos de vários destes aspectos nos podcasts do Coletivo Veredas, cujo site tem também reunido artigos e textos sobre a crise atual.
Quando as consequências da crise de 2008 atingiram a economia brasileira, o “desenvolvimentismo petista” entrou em crise. Lembremos sua essência: uma aliança com setores da burguesia no Brasil para, com financiamentos estatais, criar empresas multinacionais sediadas no país e, com isso, como deliravam, elevar o Brasil ao “Primeiro Mundo”. Graças ao aumento dos preços das commodities no mercado internacional, por vários anos houve recursos para tocar esta política, favorecer os aliados dos petistas e, ainda, atender as demandas do restante do grande capital. Eram os anos em que Lula era uma unanimidade nacional e “o cara” de Barack Obama.
Com a crise de 2008, os recursos diminuíram, e o PT priorizou alguns setores da burguesia em detrimento do seu conjunto. Os petistas imaginavam que a crise seria breve. Decidiram, então, favorecer os setores do capital que seriam também os mais fiéis ao governo porque dependiam do Estado (infraestrutura, grandes construções, casas populares e grandes eventos como a Copa do Mundo etc.). E, em Brasília, optaram por fortalecer a aliança com os setores mais corruptos do Congresso e da burocracia estatal (o estamento político-burocrático). Por serem forças também diretamente dependentes das verbas estatais para suas negociatas e corrupções, deveriam ser aliados fiéis de quem estivesse no Planalto. Temer, por isso, foi elevado à vice de Dilma. Sabiam os petistas que passariam a contar com a oposição de setores importantes do grande capital (as indústrias automobilísticas, mecânicas, papel e celulose, químicas, os grandes bancos etc.). Mas como imaginavam a crise como de curta duração, avaliavam a aliança com o estamento político-burocrático e os setores do capital por eles privilegiados seria suficiente.
A crise hoje ainda não terminou! A oposição da maior parte do capital se tornou irresistível. Veio a Lava Jato, o impeachment da Dilma e a prisão de Lula.
A força do estamento político-burocrático
No último ano do governo Dilma, cerca de 46% dos investimentos na economia foram feitos pelo Estado ou por ele financiados. Como é o estamento político-burocrático que controla a alocação desses recursos, quem quisesse verbas federais deveria estar disposto a deixar parte delas com os burocratas e políticos. Sob o PT, o “mecanismo” do esquema de corrupção entrou em funcionamento pleno. “Desviou” cerca de 290 bilhões de reais no ano de 2015, quando no mesmo ano o montante de impostos que o Estado abriu mão, sob a forma de subsídios para o capital, era da ordem de 350 bilhões.
Enquanto os petistas atendiam ao capital como um todo, este custo da corrupção não era um grande problema para os burgueses. Mas quando, com a crise de 2008, faltaram recursos e eram atendidos apenas aqueles setores aliados aos petistas, o grande capital reagiu. Seu instrumento foi a Lava Jato. Dilma caiu e foi substituída por Temer. O núcleo duro da burguesia aliada aos petistas foi preso, bem como vários de seus operadores, de doleiros a Cunha e Lula. O estamento político-burocrático perdia a cada nova rodada de batidas policiais seus principais articuladores. Nas eleições de 2018, a mesma que elegeu Bolsonaro, sofreu uma grande derrota quando seus principais líderes não foram reeleitos. Bolsonaro prometia levar até o fim a luta contra a corrupção e a colocar o Brasil nos trilhos olavistas. Parecia que o grande capital iria conseguir seu objetivo: reduzir significativamente a corrupção e garantir uma política econômica neoliberal sem os privilégios dos aliados dos petistas.
O impressionante, entre a eleição em outubro de 2018 e março de 2019, foi a rapidez com que se rearticulou o estamento político-burocrático. O grande nome desta rearticulação foi Rodrigo Maia, que terminou eleito para presidente da Câmara dos Deputados. Para colocar Bolsonaro sob algum controle, evitar seus arroubos mais tresloucados ou, pelo menos, minorar suas consequências mais negativas e, por outro lado, para também não deixar prosperar uma certa visão desenvolvimentista similar a dos petistas que podia ser vislumbrada entre os participantes do núcleo militar do governo, o único ponto de apoio possível para a burguesia era o Congresso. Ao mesmo tempo, para aprovar as medidas e decretos que Bolsonaro planejava, também era indispensável que contasse com alguma base no Congresso Nacional. Maia e o Congresso passaram a ser, assim, importantes tanto para o grande capital quanto para o governo. Conseguiram, desta forma, a sua primeira grande vitória. Impuseram um acordo: o estamento político-burocrático não roubaria tanto quanto outrora, mas continuaria a existir; a política econômica seria voltada ao conjunto do capital e não apenas a alguns de seus setores e Guedes garantiria o avanço do neoliberalismo. Teve início o fim da Lava Jato.
Quem fora pego, continuaria nas malhas da Justiça, mas nenhum outro político ou burocrata importante seria perseguido, a começar pela família Maia, pai e filho. Era, agora, preciso enfraquecer Moro. O Supremo deu sua ajuda, a Lava Jato foi sendo dissolvida, Bolsonaro boicotou as reformas de Moro junto ao Congresso e as coisas pareciam se encaminhar para alguma normalidade.
Importante lembrar que os governos petistas foram também a etapa final da conversão dos sindicatos e centrais sindicais em instituições paraestatais. As verbas federais tornavam-nos independentes de suas bases. Se converteram em correias de transmissão do Estado sobre os trabalhadores e operários. Agora, enfraquecidos, sem um forte movimento em suas bases, sofreram um duro golpe. Temer acabou com o imposto sindical e, desde então, os sindicatos e centrais pensam apenas em como recuperar suas receitas. Os interesses dos trabalhadores e operários, que há muito já não importavam, foram definitivamente abandonados. Estava garantido que da parte dos sindicatos e centrais dos trabalhadores não viria mais nenhuma ameaça à ordem.
Deste acordão, o que escapou ao controle foram dois elementos. A loucura de Bolsonaro. E a pandemia que aprofundou a crise econômica que já vinha se anunciando desde final de 2018.
O tresloucado e a crise
Desnecessário discutir o quão tresloucado é o Presidente. O seu comportamento tornou Maia e o estamento político-burocrático imprescindíveis para aprovar as reformas que o grande capital almejava, principalmente, mas não apenas a da Previdência. Guedes e Maia, contra Bolsonaro em muitas oportunidades, se tornaram os interlocutores junto ao grande capital. O estamento político-burocrático tinha cada vez mais força para enfraquecer Moro e desmontar a Lava Jato. Era o preço para tocar as reformas que interessava ao capital e cortar as asas de Bolsonaro. Passamos a ter um Parlamentarismo branco, com o Congresso de fato ditando as regras do jogo, muitas vezes em aliança com Guedes, outras vezes contra o próprio Guedes. Mas sempre ocupando o lugar que deveria ser do Executivo e sempre enfraquecendo Moro.
A sociedade burguesa torna universal a concorrência entre os indivíduos. Em Brasília, isto é elevado à quinta-essência nas infindáveis disputas entre deputados, senadores e burocratas. As fraquezas do clã Bolsonaro, entre elas suas ligações com as milícias no Rio de Janeiro, foram sendo exploradas sem dó nem pena. As investigações, segundo o Intercept Brasil, revelam que o dinheiro arrecado por Flávio através da “rachadinha” de seus funcionários financiou a construção de prédios clandestinos em áreas controladas pela milícia de Adriano da Nóbrega. O assassinato de Adriano na Bahia, há poucos meses, seria queima de arquivo para proteger Flávio.
Para interromper a investigação Bolsonaro teria que intervir na Polícia Federal. Foi a deixa para a saída de Moro do governo, com denúncias que tornam inevitável um processo no Supremo Tribunal. Uma condenação de Bolsonaro, algo provável, implicará em seu impeachment.
Ao mesmo tempo, a pandemia tornou Bolsonaro no Planalto ainda mais indigesta para o grande capital. Quando é preciso uma administração competente dos recursos do Estado para garantir a mais rápida retomada da atividade econômica e a menor recessão, Bolsonaro só atrapalha. Seu choque com Mandetta ao redor do isolamento social e, em seguida, com Moro para conter as investigações acima mencionadas, não apenas paralisam o governo em meio à crise, como geram uma insegurança política com reflexos econômicos negativos.
Temos, ainda, a política externa de inspiração olavista. Nossas exportações, ainda mais fundamentais do que há poucos meses para girar economia, dependem em larga medida da China. O agrobusiness também depende de negócios com o Oriente Médio. Além dos seguidos choques com os chineses, a aliança com Israel ameaça as exportações para países como a Arábia Saudita. O agrobusiness, um setor que apoiou Bolsonaro desde o início, hoje está divido. Ameaça passar à oposição se a ministra da agricultura que os representa for expulsa do governo.
O governo mantém o apoio de cerca de 30% do eleitorado. Contudo, sem apoio de nenhum setor do grande capital e perdendo a cada dia o apoio de burgueses de alguma importância, com uma aliança explícita da maior parte dos governadores contra ele e com toda a grande imprensa escandalosamente na oposição, o governo Bolsonaro não deve sobreviver por muito tempo.
Contudo, ele possui um trunfo importante, ainda.
O trunfo de Bolsonaro
A queda de Bolsonaro pode tornar Moro o próximo presidente. Se assim for, o estamento político-burocrático poderá padecer uma segunda Lava Jato, com possibilidades de chegar em juízes do Supremo e atingir os grandes bancos (várias pistas não foram investigadas). Ou seja, contra o fortalecimento de Moro se alinham poderosos interesses. Desde o estamento político-burocrático, passando por grandes capitalistas… até o PT, que sonha com a absolvição de Lula através do reconhecimento pela Justiça da parcialidade de Moro. Trata-se, portanto, de encontrar uma fórmula que possibilite utilizar o prestígio de Moro contra Bolsonaro sem convertê-lo no próximo Presidente. Como se dará esta negociação, talvez fiquemos sabendo nas próximas semanas. Moro necessita de algum partido para se lançar candidato à Presidência em 2022, ele terá que negociar com o estamento político-burocrático em algum momento. Pode receber uma boa prebenda, um belo emprego ou mesmo um cargo no Supremo, desde que se comprometa com o acordo ora vigente contra a Lava Jato entre o grande capital e o estamento político-burocrático.
É por isso que, nesses dias, o PT se posiciona contra o impeachment e Maia está calado. Para evitar o impeachment, Bolsonaro tenta alinhavar algum apoio no Congresso. Quem aceita negociar é aquela parcela do estamento político-burocrático cujo poder depende mais diretamente da corrupção Estatal, a maioria do Centrão. Lembram do Roberto Jefferson? Aquele que denunciou o mensalão e passou alguns anos preso por corrupção? Pois bem, é esta mesma figura um dos articuladores contra o impeachment. Dependendo do que o governo federal oferecer, poderá ter algo próximo de 150 votos contra o impeachment na Câmara dos Deputados. Somado aos votos do PT, é suficiente para salvar Bolsonaro.
Quem poderiam imaginar o PT, o Roberto Jefferson e o Bolsonaro aliados contra o impeachment! Isto garante que Bolsonaro permanecerá no Planalto até 2022? Dificilmente. Com a pressão dos grandes capitalistas e com o desgaste político do governo quando as mortes pela pandemia explodirem, o mais provável é que o apoio do Centrão se dissolva. Roberto Jefferson e seus capangas sabem como poucos como sobreviver na política! Onde estão Dirceu e Genoíno, condenados junto com Jefferson no mensalão? Jefferson está de volta à cena e ocupando um lugar importante! Assim que Bolsonaro se converter em uma cruz que não compense carregar, os deputados do Centrão venderão seus votos para o impeachment – tal como Cunha e Temer fizeram com os petistas. Se isto ocorrer, teremos Mourão na Presidência. O que virá depois disso? Cedo para saber. A única certeza é que não promete nada de bom para os operários e trabalhadores.