30/08/2020
Capital em crise
O capital está em uma profunda crise, desde o final da década de 1960. Esta crise se caracteriza, basicamente por ser sistêmica e estrutural. Atinge todas as esferas produtivas, em escala planetária. Se desenvolve de forma lenta e seu período temporal é extenso, porque não dizer permanente? Pois até o momento não se encontra indícios que o capital tenha retornado para o patamar de lucratividade anterior à esta crise. Mészáros é categórico ao afirmar que a crise atual do capital é uma crise estrutural, que evidencia os limites últimos deste sistema socioeconômico que tem como único objetivo reproduzir de forma ampliada e contínua o capital.
A tendência a maior concentração e centralização de capitais aprofundam as contradições do próprio sistema. Por mais que os capitalistas e seus representantes na esfera política (Estado) busquem saídas para a permanência deste sistema, ele próprio não consegue mais deslocar suas contradições de forma eficiente como antes. Ficam evidentes, até para os mais leigos, que a desigualdade social cresce cada vez mais, que a miséria se alastra para a maior parte da população mundial, que o desemprego se torna crônico, que nosso estilo de vida e produção destroem o meio ambiente e, por consequência, ameaçam a sobrevivência da própria humanidade.
Por estes e outros motivos mais, é necessário à própria humanidade enfrentar o desafio de buscar uma alternativa que, não apenas reforme este sistema, atenuando algumas de suas contradições, mas sim enfrente de forma ofensiva os fundamentos que mantém o próprio capital, superando-o.
Pandemia da Covid-19 e a adaptação da exploração do trabalho
No ano de 2020 a humanidade enfrenta uma pandemia que se alastrou rapidamente entre os países, já contaminou mais de 25 milhões de pessoas e matou quase 850 mil pessoas (dados oficiais), sem contar os casos subnotificados, pois nem todos os países tem condições de contabilizar ou não divulgam as informações reais. No Brasil, embora nos últimos dias tenha apresentado uma leve tendência de diminuição, a Covid-19 já contaminou mais de 3 milhões e 800 mil pessoas e levou a óbito mais de 120 mil.
Houve uma grande resistência de governantes e empresários para a implementação das medidas de isolamento social. No Brasil, coube a estados e municípios emitirem decretos com as regras de isolamento, distanciamento social e protocolos de reabertura de atividades econômicas e de lazer, em fases periódicas, de acordo com o avanço ou retrocesso no número de casos em cada localidade.
Não demorou muito para que as atividades de trabalho e estudos fossem forçadamente realizadas de forma remota, através dos recursos da internet. Algo que muitos setores de serviço e educacionais (principalmente de Educação à Distancia-EaD) já pressionavam para implementar antes da pandemia.
Esta adaptação, além de forçada, foi abrupta, sem planejamento e capacitação. Porém, a ameaça de perda do emprego, fez a maior parte dos trabalhadores (principalmente da área de serviços) se empenharem em realizar suas atividades sob as novas condições da realidade pandêmica.
As empresas se esvaziaram de funcionários e também de equipamentos; as contas de energia, telefonia e internet despencaram; salas e prédios alugados foram desocupados; etc. Agora a empresa paga o mesmo salário, ou menos, para o funcionário desenvolver suas atividades em casa, com seus próprios aparelhos (computador, telefone, etc.), pagando a energia gasta, a operadora de internet e telefonia, ampliando a jornada de trabalho (pois o tempo dedicado ao trabalho aumenta), entre outras coisas. A adaptação às atividades remotas, seja no trabalho ou na educação forçam as pessoas envolvidas a buscarem meios dos mais criativos para ajustar também seu ambiente doméstico e familiar a uma rotina de empresa. Ainda estamos começando a perceber as consequências deste processo (fadiga, depressão, pânico, ansiedade…).
No Brasil, a taxa de desemprego aumentou para 13,7% (PENAD, 2020), a desigualdade social cresce por consequência. Neste mesmo tempo há uma maior concentração de renda, sendo 1% mais rico da população detém quase um terço da renda nacional (Word Inequality Database, 2020). As grandes empresas e multinacionais estão lucrando ainda mais neste período, tais como: vendas online, redes sociais, serviços de streaming, comunicação e principalmente os bancos. Porém, como a paralisia da produção industrial, as expectativas são de queda histórica nos PIBs dos países centrais e periféricos.
Ao que tudo indica a crise estrutural vem se aprofundando cada vez mais. Contudo, o capital não pode deixar os fatores de bloqueio, impedirem seu processo de expansão e acumulação contínuos. Por isto, cria ajustes necessários para manter sua autorreprodução. Dentre eles, as formas diferenciadas de exploração do trabalho, através de recursos e estratégias tecnológicas que contribuem para sua permanência. Ou seja, a maior prejudicada pela crise do capital é a classe trabalhadora. Até o momento em que, por meio de um processo verdadeiramente revolucionário a atividade fundante do ser social (o trabalho) deixe de ser realizada em prol da geração de capital (produção de riqueza) e sim voltada para atender as necessidades dos próprios produtores (riqueza de produção).
Falando nisso…
Você conhece os livros publicados pelo Coletivo Veredas?
Gostaríamos de indicar o livro ” Ontologia, dever e valor em Lukács “, escrito por Mariana Andrade.
Sobre a autora: Mariana Andrade é professora da Universidade Federal de Alagoas. Estuda a obra de György Lukács desde 2009. Em 2016, publicou o livro Ontologia, dever e valor em Lukács. Participou como revisora técnica do alemão das traduções de Prolegômenos para uma ontologia do ser social e Para a ontologia do ser social, publicadas pelos Coletivo Veredas em 2018. Atualmente traduz do filósofo húngaro: Wie ist Deutschland zum Zentrum der reaktionären Ideologie geworden? É também a tradutora dos livros da Coleção Guido Oldrini publicados anualmente pelo Coletivo Veredas. Como parte desta coleção, o Coletivo Veredas publicará ainda em 2020: Hegel e Lukács: duas estéticas em confronto.
Resumo: O livro Ontologia, dever e valor em Lukács tem como objetivo demonstrar, a partir da Para a ontologia do ser social de György Lukács,o caráter objetivo do valor e do dever em contraposição às concepções subjetivistas (abstratas) e, portanto, idealistas, atualmente em voga. Mariana Andrade, corrobora a concepção ontologicamente fundada dos valores humanos sejam eles econômicos (o valor-trabalho: valor de uso, valor de trocar, dinheiro etc.) ou extraeconômicos (os valores estéticos, morais, éticos etc.), na sua inextrincável relação com o dever enquanto momento determinante imediato de cada ação humana intencionada a uma realização, ao buscar os fundamentos ontológicos dessa relação no trabalho como categoria fundante do ser social.Com base na concepção ontológica lukacsiana de valor e dever, a autora expõe o conjunto de mediações que faz com que, no presente da humanidade, duas formas gerais de valores, com seus respectivos modos do dever, se apresentem em disputa: o valor humano da emancipação política, que mantém indivíduo e gênero humano subordinados às necessidades do capital e do seu sistema de autorreprodução que crescentemente aliena, desumaniza e degrada a existência do ser humano, ao mesmo tempo em que destrói a natureza e, em contraposição a este, o máximo valor humano possível, o valor da emancipação humana, que como possibilidade real é a única forma capaz de libertar os seres humanos da dominação destrutiva do capital permitindo-os desenvolver o máximo das forças produtivas e de suas capacidades humanas com a finalidade de satisfazer as suas próprias necessidades e não de qualquer outra força transcendente ou incontrolavelmente causal.
Edição: 2016, impressa