NL 40 | Uma campanha pelo voto nulo

I

Em uma passagem do Livro I de O Capital, Marx mostra como o desenvolvimento do capitalismo explicita de modo cada vez mais completo, puro, suas categorias essenciais. Então comenta ironicamente algo como “a realidade foi de encontro ao conceito”. Depois que Mészáros descreveu os fundamentos da crise estrutural e, entre outras coisas, argumentou como o aprofundamento da situação econômica e social reduziria cada vez mais o espaço de manobra na esfera da política, a situação do Brasil “persegue” o que Mészáros anunciou: O espaço de manobra da esfera da política praticamente desapareceu. O confronto entre Lula e Bolsonaro nada mais é que uma disputa eleitoral entre duas personificações do capital que são tão semelhantes que até mesmo suas respectivas bases de apoio se sobrepõem. Muitos dos atuais aliados de Bolsonaro foram companheiros dos petistas no poder e voltarão a sê-lo conforme se confirma a vitória de Lula. A proximidade entre eles está tão escandalosa que mesmo a Dilma (a Dilma!) protestou contra a aliança com Temer. Em vários Estados, as “bases” do PT (isto é, seus poderes locais) estão descontentes. A realidade “persegue” as teorizações de Mészáros!

Dito assim, até parece que se desconhece que Bolsonaro é Bolsonaro e, Lula, Lula. Evidentemente, há diferenças pessoais entre eles muito significativas, quando se trata da personalidade de cada um. Ambos são ladrões, verdade. Ambos são serviçais do capital, também verdade. Ainda assim, há diferenças pessoais evidentes.

Quando, contudo, o que está em questão é o papel histórico, a função social que se dispõem a cumprir, a diferença das individualidades joga um papel minúsculo, se é que joga algum. O que de fato conta é como ambos se dispõem a administrar, em nome do capital, a crise que vivemos. Neste terreno, a similaridade é tão grande que o PT decidiu por não apresentar um programa de governo, mas apenas linhas gerais de atuação… prefere ficar no cinzento do não dito para ampliar seus espaços de manobra e para não perder votos à esquerda. Uma vez no Planalto, Lula vai fazer profundas mudanças cosméticas para manter o essencial no mesmo rumo: concentração de rendas, maior exploração dos trabalhadores, maior e mais violenta repressão sobre o que vier “de baixo”, proteção ao núcleo bolsonarista no Estado e nas Forças Armadas — e assim por diante.

Não apenas isto: também irá aprofundar seu acordo como Centrão, o que implicará sem mais em um acordo com Bolsonaro e seus milicianos! Isso não é nenhum futurismo: em todo os governos petistas, os bolsonaristas de hoje foram protegidos das tentativas democráticas de levá-los à justiça. Quem mais pagou indenizações para que os perseguidos políticos não entrassem na Justiça? Quem colocou Genoíno para proteger os facínoras do Araguaia e da Ditadura? Já houve alguém torturado que ocupou a Presidência e nem ao seu torturador processou? Se houve, foi uma petista. Quem Lula colocou para comandar as tropas brasileiras na repressão ao movimento popular no Haiti, senão o general Heleno? Os exemplos são infinitos, basta mais um: não foi Lula quem deu toda a força para o agrobusiness para depois ter este, majoritariamente, na base de Bolsonaro? Não busca o mesmo Lula, agora, apoio do mesmo agrobusiness?

Os “fundamentalistas” todos serão “paquerados”. Mirem o passado: quando as igrejas evangélicas mais cresceram? Quantas centenas de mãos de pastores evangélicos Lula, Dilma e Haddad beijaram? Quando foi que o ensino “biológico” da Criação contra Darwin se tornou obrigatório em alguns Estados? Quando as milícias cresceram até chegarem ao ponto de executarem Marielle e outros militantes populares? Quantos financiamentos petistas promoveram o crescimento das seitas?

Claro que precisamos nos proteger de Bolsonaro. Mas Lula não é essa proteção. A nossa única proteção contra Bolsonaro é uma elevação das lutas de classe que altere a correlação de forças a favor do trabalhadores e operários. Quando voltar Lula ao Planalto, a facção do estamento político-burocrático e do grande capital “amigo do poder” sofrerá pequenas alterações, a classe média pode ser beneficiada por esta ou aquela migalha… a destruição do país e a crescente miséria popular/concentração de renda seguirão, contudo, sem solução de continuidade. Pois é exatamente isso que os petistas já fizeram quando no poder!

Contra as crenças, contudo, não há argumento: apenas os desesperados podem ainda crer que votar em Lula é lutar contra Bolsonaro. Os desesperados, contudo, são muito nos dias de hoje (e há razões de sobra para este desespero).

II

Entre a população, contudo, a realidade faz sua parte. Há já muitos pleitos a proporção de votos nulos e brancos aumenta. Em várias ocasiões, a soma das abstenções e dos votos nulos e branco é a terceira colocada (por exemplo, nas eleições de 2018, Bolsonaro teve 57,7 milhões de votos, Haddad 47 milhões e os brancos, nulos e abstenções somaram 42,1 milhões. Os votos nulos saltaram de 4,6% em 2014 para 7,44% em 2018 – enquanto o PV teve 1% e Boulos do PSOL 0,6%). Há já vários anos que a população se deu conta do óbvio e ululante: os políticos são todos corruptos, bandidos, só querem se locupletar. No passado, isto não era assim. Entre a população trabalhadora havia sempre alguém a defender este ou aquele político honesto. Lula foi o último desses casos. Depois do revelado da corrupção petista, até isto a burguesia perdeu.

Falta, contudo, que os revolucionários auxiliem a elevação dessa percepção generalizada da população a um nível superior de consciência. É preciso e possível aproveitar esse desenvolvimento espontâneo de amplas camadas da população para demonstrar a verdade de que a política, bem como o Estado, apenas servem para nos oprimir. Se as eleições mudassem algo, “eles” não deixariam que elas ocorressem! Está na hora de defendermos abertamente que apenas quando os operários em aliança com os trabalhadores comandarem este país, aquele que trabalha poderá viver em paz. Está na hora de fazermos a propaganda da Comuna, a transição política entre o capitalismo e o socialismo (sobre isso, ver o livreto de combate “Abaixo a democracia! Viva a Comuna!” no site do Coletivo Veredas).

Este o papel de uma campanha pelo voto nulo, já e agora. Colocar-se ao lado desta percepção espontânea anti-Estado e anti-políticos para conferir a ela um conteúdo de classe mais próximo ao real. A campanha é possível e é necessária. O que falta é uma organização dos revolucionários para darmos conta desta tarefa.

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