NL 45 | Apenas tomando o poder do Estado, não podemos destruir o capital!

Diante da conjuntura atual de crise estrutural do capital, poucas parecem ser as alternativas de transformação social, que nos possibilite caminhar para uma sociedade onde inexistam todos os problemas econômicos, políticos e sociais que nos assolam, bem como o alcance das proclamadas igualdade e liberdade.

Dentre as principais indicações de caminho, está a de que tomando o poder político do Estado, mesmo que por dentro do jogo burguês (eleições, democracia, cidadania, justiça, etc.), a classe trabalhadora conseguiria lutar pela satisfação das suas necessidades trabalhistas e sociais. Isto até o belo dia em que a igualdade social seria fruto dos esforços individuais de todos e que o ordenamento social seria mais justo com aqueles que participam da produção da riqueza material (socialmente produzida).

Vamos ser sinceros, quando na história houve qualquer mudança de relações sociais, políticas e econômicas sem uma revolução? Porque o discurso da passividade da vida social ainda se mostra tão eficaz, ao ponto de gerar o silenciamento e a conformação daqueles mais explorados? Como diante de tanta miséria, injustiça, exploração e absurdos no geral, a classe trabalhadora ainda não realizou um movimento de massa que possa se direcionar para uma revolução social?

Medo da contra-revolução é um motivo? Quando já não há mais nada para se perder e a luta se faz necessária, a defesa da vida coletiva se coloca como uma das questões mais importantes. A crise ainda não é o suficiente para indicar o real processo de desmoronamento do sistema capitalista? Notem todas as consequências negativas para o gênero humano, para os demais seres vivos desse planeta e para nosso meio ambiente.

esperança de dias melhores parece ser um indicativo para a apatia social existente frente a tantos problemas impostos pelo capital. Essa esperança é alimentada pelo discurso religioso de que a conformidade e a obediência são necessárias para uma recompensa além vida; pelo discurso social de que a busca pela felicidade é individual e que o merecimento é para aqueles que agem dentro das regras do mercado; pelo discurso político de que a mudança só pode vir por meio do exercício do papel de cidadão de cada um, ao votar e ser votado, eleger a quem irá administrar o Estado, defendendo interesses diferenciados (de classes).

Que esperança é essa que coloca a responsabilidade da mudança social apenas ao indivíduo isolado ou em representação a outros indivíduos? A sociedade não se faz por indivíduos isolados, e sim pela sua totalidade. O ser humano é um ser social. É através do intercambio orgânico com a natureza que o conjunto de serem humanos busca satisfazer suas necessidades materiais através do trabalho. O trabalho e as formas de organização social para explorar o trabalho, determinam as relações sociais.

Para cada forma social da história da humanidade, uma forma de organização e exploração do trabalho se fez possível: escravidão, servidão e assalariamento; escravismo, feudalismo e capitalismo, respectivamente. Para que haja exploração do trabalho na economia é necessário também o domínio na esfera da política (Estado), da cultura, da ideologia e etc. condição essencial para a garantia do ordenamento social.

Esse ordenamento pode ser realizado de várias formas, desde as mais pacíficas, até as mais violentas; desde as formas ditas legais, como as ilegais; seguindo as regras criadas ou burlando-as e criando novas regras. Tudo realizado pela e para a classe economicamente dominante.

Na sociedade capitalista, as bases materiais de reprodução material está na lógica de acúmulo e de expansão do capital; e a base jurídico-política que sustenta esse sistema é realizada pelo Estado Moderno.

Eis a pergunta: então, se o ser humano é um ser social e se a base da reprodução social é na economia e não na política, porque insistimos em relegar ao indivíduo e à esfera política a responsabilidade pela transformação social? Estamos errando de longe o alvo de nossas lutas e os meios para alcançar o objetivo de derrotar o capital e o capitalismo.
 
Devemos admitir que a dimensão política tem uma grande limitação em relação à oposição ao capital. Apenas o embate na esfera política do sistema não permite a superação do capital, já que o Estado não tem o poder de mudar a base material (econômica).
 
Devido à crise atual, a dimensão política se tornou mais proeminente. O Estado se mostra mais forte para defender os interesses do capital, com maior interferência da esfera política na economia. Mesmo sendo avaliado como estranha à natureza do sistema do capital, a forma keynesiana da intervenção do Estado capitalista foi funcional. Já depois da emergência da crise estrutural, a nova modalidade de atuação do Estado – a neoliberal – exigiu uma intervenção nos processos socioeconômicos tão grande quanto a da política keynesiana.
 
Assim, sob as estratégias de cunho neoliberal, o Estado concedeu enormes incentivos fiscais; exerceu práticas corruptas de privatização; destinou abundantes fundos de pesquisa principalmente para o complexo militar-industrial; facilitou abertamente a tendência ao monopólio; além de impor leis repressivas sobre o movimento dos trabalhadores. Estas leis tiveram de ser suavemente introduzidas por meio da democracia parlamentar, negando à classe trabalhadora os ganhos defensivos do passado, já que agora as margens de acumulação do capital se estreitaram pela crise estrutural. A atual fase histórica de aparente encolhimento do Estado, propagandeado pelos apologistas do capital (neoliberais), revela a importância da luta política e da crítica radical do Estado e de suas instituições democráticas, numa perspectiva da emancipação do trabalho.
 
É possível identificar que até a forma mais avançada de Estado fracassou nas promessas que o autolegitimavam, como se verifica no Estado liberal, com suas garantias democráticas formais e institucionalizadas de justiça imparcialidade, bem como em suas garantias contra a corrupção.
 
Parte integrante do agravamento da crise econômica do sistema é também a crise da política no mundo todo, inclusive das democracias parlamentares dos países capitalistas avançados. Por isto mesmo, ao contrário da promessa de encolhimento dos limites do Estado, o que se verifica é a maior imposição de políticas mais agressivas sobre as massas populares.
 
As formas institucionais do Estado dominam a prática individual para dentro dos limites da política. Quando um parlamentar ascende a uma posição de maior representatividade é porque ele passou a dominar as regras do procedimento parlamentar. Assim, os defensores do capital afirmam que não existe outro caminho para lidar com os problemas da sociedade, a não ser por meio cumprimento dos procedimentos parlamentares. A legitimação do sistema da democracia parlamentar burguesa é fortalecida até mesmo pelos setores ditos de esquerda.
 
A marginalização política e a aceitação das regras parlamentares, como única estrutura possível de ação política, dominam esquerda, na tentativa de assegurar uma aliança eleitoral mais ampla. Assim, a esquerda se rende à lógica da política burguesa e se afasta do movimento anticapitalista necessário.
 
O movimento dos trabalhadores também foi fortemente afetado pela crise. O padrão de vida da força de trabalho em emprego formal, desempregada e subempregada foi agravado e foram reduzidas as possibilidades da ação defensiva, devido à legislação autoritária imposta aos trabalhadores pelos parlamentos supostamente democráticos. Ainda está em curso a implementação de medidas cada vez mais duras à classe trabalhadora, através da intervenção em seus órgãos de defesa e das formas de ação tradicionais (sindicatos). A própria forma de representação parlamentar tornou-se mais problemática.
 
O Estado moderno é organizado de forma a proteger o sistema do capital. Logo, continuam as frustrações e derrotas dos socialistas que pensam alcançar seus objetivos mediante as reformas parlamentares.
 
O projeto parlamentar social-democrata de reformar o sistema estava condenado, desde seu início, e se tornou autocontraditório. A perda do horizonte verdadeiramente socialista e a distorção das teorias marxianas do socialismo se deram também pelo abandono dos objetivos socialistas pelos líderes destes partidos e dos partidos trabalhistas. O movimento da classe trabalhadora perdeu o sentido socialista e as consequências negativas ficaram evidentes com o sucesso parlamentar e a acomodação dos partidos social-democratas e trabalhistas.
 
O trabalhismo reformista manteve por um tempo a ideia contraditória de que os objetivos socialistas eram compatíveis com as coações materiais do capital e que a conquista dos altos escalões de comando da economia tornaria possível que o socialismo se realizasse um dia. Na realidade, a lógica perversa da acomodação parlamentar ocasionou uma experiência histórica fracassada. Pois, quando o movimento dos trabalhadores se conforma com as regras do sistema, relega a escolha do que deve ser disputado e contestado a cargo do capital.
 
Os políticos reformistas nunca encararam os reais problemas da sociedade, porque se limitaram a pensar dentro do próprio capitalismo. Se encarassem este problema, exporiam o caráter irrealizável das suas estratégias.
 
Como já afirmou Mészáros, o capital é irreformável e não pode compartilhar seu poder com forças que tentam transcendê-lo. O sistema é compatível com melhorias corretivos dos efeitos e consequências, mas não da base causal do sistema. Devido a isso, seria irrealizável o potencial transformador socialista das estratégias de reforma gradual da social-democracia.
 
Devemos lembrar que enquanto o capital for dominante na vida social, a ideia de luta igual entre capital e trabalho deve permanecer uma farsa. Esta ideia de igualdade na luta é realçada e perpetuada pelos representantes do trabalho no espaço parlamentar. Já que as disputas políticas são limitadas e reguladas por instrumentos e instituições que apoiam a estrutura de comando político do capital, e isto não pode ser considerado enfrentamento contra o capital, mas apenas entre alguns de seus componentes. Nessa ordem social, é impossível equilibrar o poder em disputa ou alterá-lo em favor do trabalho. Isto inclui as limitadas possibilidades de ação legislativa concedidas aos setores do trabalhismo reformista.
 
Diante do impossível equilíbrio entre capital e trabalho, devemos destacar que o trabalho ou é antagonista do capital e luta por uma alternativa viável, ou permanecerá parte subordinada e totalmente sem poder. Por isso, a classe trabalhadora como antagonista do capital, deve assumir uma postura ofensiva e, mesmo quando lutar por objetivos mais limitados, deve ter como objetivo geral a negação radical desse sistema e a transformação positiva do modo de produção.
 
Os “grilhões” do capital sufocam o trabalho. Mas, na relação capital e trabalho, é possível ao trabalho se desvencilhar do capital, mas o contrário não, pois o capital não pode se desvencilhar do trabalho. Daí a importância do desenvolvimento da consciência comunista de massa.
 
Concordamos novamente com Mészáros, quando diz que as mediações necessárias para a transformação socialista devem se dar na forma de ação necessariamente extraparlamentar (por fora do Estado). Inicialmente, o movimento revolucionário deve enfrentar e superar a disjunção entre economia e política, que apenas serve para reproduzir o sistema do capital, e superar a limitação política do próprio movimento dos trabalhadores. Também deve confortar e negar as determinações desse sistema e a subordinação do trabalho, e contestar o poder político do capital no Estado. Portanto, não é através da internalização das ações políticas do Estado burguês que se pode superar o sistema que sustenta o capital. O próprio capital é uma relação social com base na economia, e apenas em âmbito da reprodução material é que o trabalho poderá realizar as ações fundamentais que possibilitarão a transcendência ao capital. Então – uma vez que o Estado Moderno é uma estrutura política formada para atender às necessidades do capital –, qualquer tentativa de caráter socialista através da esfera institucional do Estado está impossibilitada de derrotar o capital. Apenas um movimento de massas radical e fora da esfera do Estado seria capaz de atingir tal objetivo.

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