Coletivo Veredas Newsletter A libertação da Palestina

A libertação da Palestina

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Qualquer avaliação sensata da situação palestina tem que partir do fato de que a criação do Estado de Israel foi uma imposição do imperialismo. Desde o final da I Grande Guerra (1914-18), o imperialismo inglês almejou a criação de um Estado sionista como ponto de apoio para a sua dominação do Oriente Médio, cujas reservas petrolíferas então ganhavam em importância para o capital mundial. Contudo, será após a II Grande Guerra, com o início da Guerra Fria, que o Estado de Israel foi criado sob a orientação direta do imperialismo americano. A finalidade era a de cercar militar e politicamente a URSS. Com isso em mente, os EUA e seus aliados criaram duas grandes alianças militares, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a OTASE (Organização do Tratado da Ásia de Sudeste). Onde o cerco não se completava era no Oriente Médio: a criação de Israel em 1948 e o golpe de estado (1953) contra o governo Mossadegh, nacionalista e eleito democraticamente, no Irã, foram as medidas do imperialismo americano para fechar a “brecha” entre a OTAN e a OTASE.

Este é um fato histórico: Israel é uma criação do imperialismo ianque. Negá-lo, seria como que negar que 14 de julho de 1789 marcou o início da Revolução Francesa. Que as ideologias sionistas, imperialistas ou de cortes similares (por exemplo, as liberais) aleguem o contrário, em nada altera os fatos: não fossem os imperialismos inglês e, após, o estadunidense –, e ainda, as ações terroristas para expulsão dos palestinos do território perpetrados por “heróis” de Israel, como Ben Gurion, o conflito atual não teria ocorrido.

Outro fato, também indiscutível (ao menos até o presente) é que, desde o século passado, todas as invasões imperialistas na periferia do sistema do capital foram ou estão sendo derrotadas militarmente. A lista é considerável, ficaremos apenas com os exemplos mais evidentes: derrota francesa no Vietnam em 1954, seguida da derrota dos EUA em 1973; fracasso francês na Argélia na passagem dos anos de 1950 a 1960 (incluindo o golpe de Estado perpetrado por de Gaulle), derrota soviética e, depois, estadunidense no Afeganistão para o Taliban, a não-vitória dos EUA sobre o Iraque, mesmo com duas invasões de enormes proporções bélicas, etc. Contra camponeses ligados à terra como o “caracol à sua concha”, o tempo conspira contra os invasores e a favor da resistência. A se adicionar o fato de que, no Oriente Médio, são sociedades que evoluíram tendo por base o modo de produção asiático ou as sociedades tribais típicas da sua porção mais ocidental como o Líbano, a Síria, a Jordânia, a Palestina e mesmo Israel. Sociedades, portanto, em que o embate entre as classes tem peculiaridades fundamentais se comparado à luta de classes dos países capitalistas de desenvolvimento clássico. A derrota militar dos invasores tem até hoje terminado após um processo em que se ganha todas as batalhas (devido à superioridade bélica do invasor), mas se perde a guerra (devido à inquebrável resistência dos camponeses, principalmente).

O que assistimos na Palestina é algo aproximado: após décadas de ocupação, as opções militares restantes à Israel e aos EUA são cada vez mais custosas. A simples “liquidação”, uma “solução final”, dos palestinos é militar e economicamente inviável. O custo econômico e a quantidade de soldados necessários para uma ocupação absoluta do território, por todo o tempo que fosse necessário para impossibilitar toda e qualquer guerrilha, inviabilizam uma tal alternativa. Além disso, seria também política e ideologicamente insustentável: a quantidade de mortes de soldados israelense, somada a que o custo astronômico provocaria uma crise na economia israelense sem precedentes, tornariam a “solução final” contra os palestinos insustentável. Mesmo em Israel. As repercussões ideológicas, políticas, sociais e econômicas de uma “solução final” seriam insuportáveis, mesmo para os EUA. Há ainda o peso da China e da Rússia, a ser considerado.

A derrota do Hamas descortina-se como inevitável, a OLP já declarou sua oposição à ofensiva palestina e sua disposição em negociar com os invasores; o peso militar israelense predominará no curto espaço de tempo. Contudo, a vitória nesta batalha apenas acelera a derrota final de Israel nesta guerra — derrota que depende também da derrocada do império estadunidense, o que a posterga a um futuro imprevisível. O que está fora de questão é uma definitiva vitória israelense, pois não há como se “liquidar” a resistência palestina (mudando o que deve ser mudado, tal como não foi possível liquidar a resistência dos camponeses vietnamitas, argelinos, afegãos, etc.).

Estivéssemos na Palestina, nesses dias, defenderíamos pegar em armas contra Israel. Contudo, num combate em duas frentes: contra o exército israelense e contra o nacionalismo e o conservadorismo amplamente predominantes naquele levante. O Hamas e o Hezbollah, a El Fatah e a Jihad Islâmica, com as suas diferenças, coincidem na defesa da propriedade privada (desde que não mais nas mãos de Israel) e do Estado (desde que um Estado Palestino). Mudando o que deve ser mudado, tal como os sionistas defendem o sistema do capital.

A criação eventual de um Estado palestino não significa a libertação dos palestinos. Significa apenas que eles ganharão a liberdade para serem oprimidos pelo capital e suas personificações, inclusive pelas personificações palestinas. Morrer de armas na mão pela criação de um Estado, definitivamente, não vale à pena.

Vejamos isso mais de perto.

Um fracasso editorial

Em 1844, foi lançado um periódico bilíngue (francês-alemão) que não passou de seu primeiro número. Um fracasso editorial. Contudo, que fez história. Dele constam alguns escritos que se tornaram marcos do desenvolvimento humano. O “Esboço de crítica à Economia Política”, de Engels e, de Marx, a “Introdução à crítica da filosofia do Direito de Hegel” e “A questão judaica”. Eram os Anais Franco-alemães. Diferentes da Ideologia Alemã e dos Manuscritos de 1843 e 1844, são textos publicados em vida pelos seus autores; não são rascunhos que Marx e Engels decidiram por não publicar.

O que nos interessa, muito de perto, é A questão judaica. Israel não existia, nem o imperialismo estadunidense estava no horizonte, quando de sua redação. Contudo, a questão decisiva do atual conflito estava lá já posta: deveriam os revolucionários lutarem pela liberdade de os judeus praticarem sua religião? A resposta de Marx é inequívoca: não!

Pois a liberdade religiosa não liberta os judeus da religião, apenas lhes concede o direito de serem alienados pela religião. Tal como a liberdade da propriedade privada não nos liberta da opressão do capital, apenas torna este livre para esmagar-nos. A tarefa da humanidade, após as revoluções burguesas, é de outro quilate. É a luta pela superação do mundo de opressões que necessita de religião, de propriedade privada e do Estado (e da família monogâmica, lembremos) para se manter.

A liberdade que se conquista “por meio do Estado”, é apenas uma “iliberdade”, uma forma de opressão. As revoluções burguesas retiraram o Estado absolutista da esfera econômica. O mercado se emancipou do controle político exercido pelo Estado. Realizou-se assim, na prática e na teoria, a emancipação política do capital em relação ao Estado.

Isto colocou à humanidade a tarefa da emancipação humana do capital: não há meio termo possível entre a emancipação política conquistada pelo capital ao retirar o Estado da economia, e a emancipação humana (como Marx dizia em 1844), que superará o capital. Não há meio termo entre as revoluções burguesas e a revolução comunista, proletária, tal como diriam mais à frente, um Marx e um Engels teoricamente mais desenvolvidos. Entre a emancipação política e a emancipação humana há apenas uma relação de ruptura e de superação. Não há qualquer possibilidade de a emancipação política evoluir até tornar-se uma emancipação humana do capital: retirar o Estado da economia é nada mais, nada menos, que a submissão de toda a existência humana ao capital. Isto significa: promover a alienação universal que hoje vivemos. Por isso, não há reformismo capaz de converter uma revolução burguesa em uma proletária! Toda a luta por liberdades democráticas (isto é, conquistadas e garantidas “por meio do Estado”) nada mais é que um reforço da opressão. É conservadorismo, nada tem de revolucionário. Mesmo quando, hoje, esta luta se dá “de armas na mão”. Mesmo quando, hoje, ocorre sob a ditadura mais monstruosa.

A defesa de um Estado palestino (como se queira compreender esta defesa, quer como uma conquista “cidadã”, quer como uma etapa preparatória para uma revolução comunista) é duplamente insustentável. Primeiro, porque o Estado apenas pode ser, em nossos dias, o Estado do capital e de suas personificações. Lutar pela opressão dos trabalhadores palestinos, camponeses e futuros proletários, pelo capital, é insensato, para se dizer o mínimo. Segundo, porque o nacionalismo é sempre o sarcófago com que se enterram as revoluções. Nada há de revolucionário, ou mesmo de progressista, na defesa do Estado palestino. Nada justifica o apoio indiscriminado dos revolucionários à “causa palestina”, se nela está inclusa a defesa da criação de um Estado palestino. A única e verdadeira “causa palestina” é a causa de todos os oprimidos: a revolução proletária, a destruição do capital pela substituição do trabalho proletário pelo trabalho associado (para que não fique qualquer dúvida de qual revolução se trata).

Estivéssemos na Palestina, repetimos, pegaríamos em armas tentando organizar a defesa da revolução proletária. De armas na mão, porque em um embate como aquele, há que sempre se estar do lado oprimido contra o opressor. De armas na mão, para fazer da defesa da revolução proletária algo mais do que um palavrório, tal como estamos hoje condenados em nosso país. Com uma enorme possibilidade de sermos fuzilados pelos partidários do Hamas e do Hezbollah, da El Fatah ou da Jihad Islâmica: tal como os revolucionários iranianos, alguns deles membros da organização “Combatentes do Povo” (Mujahedin), que estiveram na linha de frente na ofensiva para derrubar a ditadura iraniana de Reza Pahlevi para serem, em seguida, enforcados pelos aiatolás, por serem comunistas, isto é, “infiéis”.

Denunciar Israel e o imperialismo estadunidense sem dar tréguas ao capital e suas personificações, sejam elas judaicas ou muçulmanas, israelenses ou palestinas: este o fino fio da navalha que nos parece o único trajeto possível aos revolucionários. Entrar na luta em duas frentes: na atual guerra entre Israel e o Hamas, mostrar, por um lado, que distintas personificações do capital estão em disputa pela propriedade privada, quando, por outro lado, o que se necessita é lutar contra a propriedade privada! Entre proprietários privados, esta guerra só pode ser um justificado genocídio. Entre seres humanos, todo genocídio é um crime contra a humanidade.

A guerra atual na Palestina é o sintoma, a doença é o capital: combater o capital, tanto em suas personificações israelenses quanto palestinas, essa nossa tarefa histórica como comunistas. Denunciar o genocídio, pelo que ele tem de essencial: é expressão bárbara da barbárie que se tornou o capital em nossos dias. Clamar pelo fim da guerra ou contra o genocídio, pura e simplesmente, é inócuo, ineficaz e perigosamente próximo dos liberais. Inócuo e ineficaz, porque o genocídio é legítimo e necessário, do ponto de vista da propriedade privada! Seja ela palestina, seja ela israelense. Próxima dos liberais, porque é a eles que cabe a tarefa de fazer do genocídio uma aberração que nada tem a ver com o capital.

Esta deveria ser nossa posição enquanto comunistas.

Coletivo Veredas

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