São diversas as análises que apontam os mais variados problemas imbricados na lei que reformou o Ensino Médio Brasileiro. Existe um ponto em comum na maioria delas: é um projeto que rebaixa a formação da juventude.
O que muitas análises omitem é exatamente o que mencionamos nas primeiras linhas: o rebaixamento da formação da juventude tem como principal fundamento atender às necessidades de um sistema imerso em crise profunda.
A Reforma do Ensino Médio não é projeto de um governo ou partido político; ela emerge da necessidade do modo de produção capitalista em formar um sujeito para lidar com as novas demandas impostas a uma sociabilidade instável, uberizada, com relações sociais precarizadas e qualidade de vida rebaixada.
Para entender como se estabelece esse projeto articulado a essas demandas, entretanto, é necessário compreender como tal legislação é construída. A proposta de reformulação do Ensino Médio teve seu embrião em 2013, com o projeto de Lei n. 6840, apresentado pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). Esse projeto visava alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), propondo a jornada em tempo integral no Ensino Médio e a organização do currículo em áreas de conhecimento. Foi nesse período que surgiu o movimento pela Base Nacional Comum.
Em 2015 foi instituída a portaria n. 592 do Ministério da Educação (MEC), que formou uma comissão para elaborar uma proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio. Em setembro do mesmo ano, o MEC publicou a primeira versão do texto, abrindo-o para consulta pública até março de 2016.
No ano de 2016, o MEC lançou a portaria n. 790, criando um comitê gestor responsável por acompanhar as discussões da segunda versão preliminar da BNCC e encaminhar uma proposta final. No mesmo ano, e sendo “justificada” pelos resultados insatisfatórios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) no Ensino Médio desde 2011, foi lançada a Medida Provisória nº. 746, que instituiu a política para promover a implementação de escolas de Ensino Médio em tempo integral. Essa medida trouxe alterações na Lei n. 9.394/1996 (LDB) e na Lei n. 11.494/2007 (FUNDEB). A Medida Provisória nº. 746/2016, após passar por 567 emendas, serviu de base para a elaboração da Lei n. 13.415/2017.
Em 2017, aprovou-se a Lei n. 13.415, que implementou o Novo Ensino Médio, representando um marco importante para a reforma educacional. No entanto, somente em 2018 o MEC entregou ao Conselho Nacional de Educação a parte da BNCC referente ao Ensino Médio. No final desse mesmo ano foram instituídas as resoluções n. 3 e n. 4, que estabeleceram as diretrizes, direitos e objetivos de aprendizagem do Novo Ensino Médio.
Em 2019, foi instituída a Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Educação, que definiu a Base Nacional Comum para a formação de professores da educação básica, impactando os currículos dos cursos superiores de formação docente. No ano de 2020, houve a atualização do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos por meio da Resolução CNE/CEB n. 2, além da definição das diretrizes referentes às competências necessárias para os professores nos cursos superiores e as diretrizes para a formação continuada dos docentes.
A partir de 2022, deu-se início à implementação do Novo Ensino Médio. Primeiramente, foi implantado para os alunos do 1º ano e, em 2023, foi estendido para os alunos do 1º e 2º anos, de modo que até 2024 estará em todas as escolas do Brasil.
Em 2023, houve uma intensificação da movimentação nacional das entidades estudantis, sindicatos e movimentos sociais para a revogação da Lei 13.415/2017. O MEC suspendeu o calendário de implementação da reforma e abriu consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio.
Em setembro de 2023, o MEC apresentou uma espécie de reforma da reforma do EM para apreciação da Casa Civil em uma minuta de Projeto de Lei (PL). Isso resultou no PL n. 5.230/2023, que altera alguns elementos da Lei n. 13.415/2017. O relator do mencionado PL é, exatamente, o deputado Mendonça Filho (UNIÃO), que ocupava o cargo de Ministro da Educação durante a apresentação da MP n. 746/2016 e a aprovação da Lei n. 13.415/2017, durante o mandato tampão de Michel Temer.
Este é o atual panorama em relação à Lei n. 13.415/2017. Devido à grande pressão da sociedade civil e das entidades educacionais, a votação do texto do PL n. 5.230/2023 foi adiada para março de 2024, com a indicação das atenuações do relator Mendonça Filho.
Oportuno salientar que as contínuas mudanças, organizadas pela atual administração que se autodenomina representante dos trabalhadores, expõem de maneira contundente uma realidade intrínseca à democracia burguesa. Este cenário evidencia que, sob o manto da democracia, imperam invariavelmente os interesses do grande capital, independentemente da filiação partidária que ocupe a posição presidencial. A compreensão para além da aparência desse contexto é essencial para desvelar as complexas dinâmicas políticas que permeiam o sistema educacional e para desmistificar a retórica político-partidária que muitas vezes mascara a realidade das relações de poder em jogo.
Diversos defensores das reformas argumentam que as políticas sociais e os ajustes propostos representam uma forma possível de revolução ou o caminho necessário para criar condições propícias a revoluções futuras. Essa abordagem linear, por vezes mecânica, de conceber o processo, contudo, não leva em consideração a natureza não necessariamente progressiva do movimento da realidade. Ademais, é crucial destacar que o reformismo, ao não enfrentar questões estruturais fundamentais, pode se tornar a rota mais curta para adiantar ou suspender o advento dessas condições revolucionárias. Isso ocorre porque, quando não se abordam de maneira efetiva as raízes dos problemas, as energias da sociedade podem ser desviadas para mudanças aparentes que, na verdade, apenas mascaram temporariamente as crises e questões enfrentadas.
A estratégia reformista, ao defender o capitalismo, busca promover uma mudança gradual na sociedade, visando a eliminação de defeitos específicos e enfraquecendo a articulação de sistemas alternativos. No entanto, essa abordagem é mais uma teoria tendenciosamente ficcional do que uma solução viável. Isso porque os remédios propostos pelas reformas são, na prática, estruturalmente irrealizáveis dentro da atual conjuntura social. Torna-se evidente que o verdadeiro objetivo do reformismo não reside na correção efetiva dos inegáveis defeitos específicos, mesmo que a magnitude destes seja intencionalmente minimizada. Além disso, mesmo quando o reconhecimento desses problemas é evidente, o caminho projetado para lidar com eles é notadamente lento. Assim, é crucial questionar se o reformismo, ao invés de efetuar mudanças significativas, serve principalmente para manter a estabilidade do sistema, enquanto a aparência de enfrentamento dos problemas é mantida, perpetuando, portanto, uma espécie de status quo disfarçado.
Consideramos fundamentalmente importante que a Lei n. 13.415/2017 seja revogada. Porém, é necessário ressaltar que isso não resolve os problemas do complexo educacional e da formação da juventude brasileira, pois as questões que abrangem a organização do Ensino Médio no Brasil têm origem estrutural e independem dos governos vigentes. É bem verdade que alguns governos da democracia burguesa abrasileirada intensificam ou amenizam a precarização da educação na sociedade de classes, mas o compromisso último de cada um é ajustar a formação dos sujeitos à lógica de desigualdade imposta pela essência do capitalismo. O limite de quanto cada gestão presidencial vai modificar e/ou assegurar a formação da classe trabalhadora é imposta pelo projeto ideológico de cada partido político. O compromisso principal, ressaltamos, é com as grandes organizações capitalistas nacionais e internacionais que financiam a educação. Um Ensino Médio mais ajustado ao mercado é uma característica essencial para o modo de produção vigente.
A Reforma do Ensino Médio deve ser analisada pelo que realmente representa: uma redução na qualidade da formação da juventude trabalhadora, imposta por um modo de produção que é incapaz de distinguir progresso de destruição. Devemos pensar não apenas nos impactos diretos na educação dos jovens, mas também na conexão estrutural entre as políticas educacionais e as estruturas econômicas. A discussão sobre a reforma do Ensino Médio, por isso, deve ir além das mudanças no currículo e do formato das aulas, alcançando uma análise mais profunda das relações entre o sistema educacional e as dinâmicas do modo de produção, revelando como as decisões educacionais podem ser reflexo e instrumento das contradições inerentes ao modo de produção capitalista.