Coletivo Veredas Newsletter Brevíssimas observações a propósito de 1964

Brevíssimas observações a propósito de 1964

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Defesa da democracia contra a ditadura, “democracia sempre, ditadura nunca mais”.

Esse é o tom da maioria das críticas que a esquerda, entendida em sentido muito amplo, faz à ditadura instaurada a partir de 1964.

Essas críticas têm sua parte de verdade. Não há dúvida de que é justo e oportuno fazer as mais duras críticas à ditadura, denunciando os seus desmandos, a sua brutalidade e os interesses de classe que ela defendia. É imperativo buscar compreender as suas origens e os seus fundamentos. Além disso, não temos dúvida de que é muito melhor viver em um sistema democrático, mesmo do tipo brasileiro, muito limitado, do que em uma ditadura. Todavia, essa parte é apenas parcialmente verdadeira. Além disso, trata-se da parte menos substancial. Isto porque ela se baseia em dois pressupostos inteiramente falsos.

O primeiro deles é de que o sistema democrático seria a melhor forma possível de convivência social e que, não obstante os seus defeitos e imperfeições, ele estaria aberto a um aperfeiçoamento constante.

Ora, esse pressuposto ignora, solenemente, a dependência ontológica da dimensão política em relação à dimensão econômica. Ele ignora o fato de que, nessa sociedade, quem comanda, em última instância, é o capital. E que a sua lógica reprodutiva, incontrolável por qualquer poder, inclusive do Estado, implica, como se pode ver, atualmente, a olho nu, o agravamento, cada vez mais intenso e brutal, da desigualdade social, com todas as suas perversas consequências. Também ignora que a democracia (moderna), a partir da sua origem, é uma forma política do capital e, por isso mesmo, subordinada à dinâmica reprodutiva deste. É uma enorme falácia e uma ignorância da origem, da natureza e da função social da democracia, afirmar que ela é incompatível com o capital.

Desse modo, apesar de todas as importantes diferenças entre democracia e ditadura, ambas são formas políticas do capital. Em momentos de crise aguda, quando seus interesses são ameaçados pelos avanços das lutas dos trabalhadores, o capital lança mão da ditadura. Em tempos de maior tranquilidade, ele utiliza o sistema democrático. Por óbvio, quanto mais intensa a crise do capital, mais restrita será a democracia.

Absolutamente importante enfatizar: ambas – ditadura e democracia – embora de formas diferentes – contribuem para reproduzir os interesses do capital. E como estes, dada, a crise estrutural e cada vez mais aguda que assola o capital, são cada vez mais ameaçados, não é de estranhar que, como os avanços da extrema-direita estão demonstrando, ele lance mão de novas formas ditatoriais e que o próprio sistema democrático seja cada vez mais restringido.

É, pois, cultivar ilusões, com efeitos profundamente danosos para os trabalhadores, apostar no sistema democrático como o caminho para uma sociedade essencialmente livre e igualitária. A plena liberdade e a igualdade substantiva supõem a erradicação do capital juntamente com todas as suas formas políticas, inclusive a democrática.

O segundo pressuposto, igualmente falso, é de que, no caso do Brasil, este poderia alcançar, pelo caminho da ampliação e do aperfeiçoamento gradativo do sistema democrático, o status de país plenamente desenvolvido, a exemplo da maioria dos países da Europa ocidental e outros. Ora, tanto o processo de formação da sociedade brasileira – dependente, subordinado e articulado com o sistema internacional, dominado pelo imperialismo, hoje norte-americano – como a inserção do Brasil na atual divisão internacional do trabalho, comandada pelo capitalismo em crise aguda, impedem totalmente essa trajetória. Apostar nela é, pois, candidatar-se fatalmente ao fracasso.

“Socialismo ou barbárie”, já dizia Rosa Luxemburgo. “Socialismo ou barbárie, se tivermos sorte”, afirmava Istvan Mészáros. Socialismo ou destruição da humanidade, se pode, hoje, acrescentar. De fato, por mais que seja difícil e sem nenhuma garantia absoluta, este é o único caminho que pode salvar a humanidade da extinção. Certamente, não é fácil continuar a acreditar e a lutar por esse objetivo, ainda mais tendo em vista as inúmeras derrotas sofridas por todas as tentativas revolucionárias realizadas pelos trabalhadores, pelas deformações e rebaixamentos da perspectiva revolucionária. No entanto, as derrotas sofridas e todas as suas consequências, teóricas e práticas, não são, de maneira nenhuma, a prova da impossibilidade de superação do capitalismo. São apenas a comprovação de que, por aqueles caminhos e naquelas circunstâncias, aquele objetivo não era alcançável. A possibilidade, repetimos, a possibilidade e não a inevitabilidade, de uma revolução que supere o capitalismo está firmemente ancorada no fato de que somos nós que fazemos a história. Depende, portanto, dos proletários e trabalhadores, que, por sua posição no processo de produção da riqueza material, são aqueles que têm interesse na superação radical do capitalismo, que a revolução aconteça.

Entendemos, pois, que a verdadeira palavra de ordem deveria ser: Contra a ditadura e para além da democracia. Para construir a plena liberdade humana e a igualdade substantiva.

Por Ivo Tonet, em 1 de abril de 2024.

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