Racismo e luta de classes

Não há como acabar, por exemplo, com o racismo sob o manto da propriedade privada. Isso não quer dizer que não tenhamos que combater toda e qualquer prática racista. Penso que este pequeno ensaio tem a intenção de denunciar uma artimanha racista empregada na esfera ideológica que, por sua vez, é muito bem utilizada pela idiossincrasia do atraso da elite racista brasileira, seja ela esquerdista ou direitista.

A elite endógena é incapaz de pensar por si só; mas em relação ao racismo, ela, independentemente de suas inclinações políticas, por não conseguir ver que o racismo brasileiro está incrustado em seu desenvolvimento econômico, cria um racismo particularmente tupiniquim: abrasileirado. Ele, de um lado, é disfarçado, pois mesmo que se admita sua existência, não se aponta os racistas; de outro, nem se quer admitir-se a existência de racismo, logo, não há racistas.

Na questão do racismo, os dois lados (esquerdistas e direitistas, incluindo seus muitos satélites) morrem de mãos dadas, pois para eles não há racismo no Brasil. Como a ideologia dominante é quem ganha o corpo das massas, da rua, do dia a dia, o cotidiano de quem traz na pele a cor negra é repleto de atos racistas de toda ordem e efeito.

Apenas com o fim da propriedade privada, não por meio de reformas pontuais, léxico identitário, ou discursos inflamados, estará aberta a possibilidade para que os seres humanos, independentemente de raça, gênero, idade, peso, preferência sexual, país de origem, entre outras especificidades humano-sociais, desfrutem da materialidade coletiva. Como diria Marx, “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”!

Vale a pena, para caracterizar, lançar mão de alguns exemplos (ou seriam contraexemplos?). Muitos programas de pós-graduação criam obstáculos ao gozo da licença maternidade de pesquisadoras que dão à luz durante o mestrado ou o doutorado.

Não obstante ao reconhecimento por lei da necessidade de descanso e dedicação à criança no período puerpério, algumas coordenadoras de pós, mesmo sendo mães e avós, caem na armadilha e entendem que as puérperas devem se submeter aos prazos estipulados nos programas de pós-graduação a todo custo. Cadê a identidade? (Aqui o Identitarismo é engolido pela Plataforma Sucupira, ou seria Sucuri?).

É tão lamentável que não nos agrada lembrar, mas calar é pior; por isso, registra-se que há uma quantidade nada desprezível de denúncias engavetadas contra homens e mulheres da cor negra e também branca que, em postos de destaque na escadaria da acessão acadêmica, se utilizam do cretinismo dessas oportunidades para abusar, assediar e molestar um contingente significativo de investigadoras e pesquisadores.

Mais lamentável é que, de modo geral, o máximo que a pessoa abusada consegue é a denúncia. Dificilmente, no entanto, há investigação; e na maioria das vezes quem denuncia acaba sendo envergonhado perante os postos de poder que a armadilha Identitária cria dentro da universidade.

Para sair dos exemplos restritos ao campo universitário, tomou lastro nas redes sociais a matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 12 de dezembro de 2023. Assinada pelo jornalista Frederico Vasconcelos, a matéria contida no Caderno Todas do famoso jornal paulistano, revela que “um grupo de magistradas que atuam no Estado de São Paulo criou no Dia da Justiça, na última sexta-feira (8), o primeiro coletivo de mulheres juízas que se define como feminista e antirracista.”

Para o responsável pela notícia: “O Coletivo Sankofa segue a proposta de ato normativo de relatoria da desembargadora Salise Sanchotene, conselheira do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), aprovado por unanimidade em setembro último.” Tenho que revelar o seguinte sobre a foto divulgada com a matéria: o fato de não haver nenhuma mulher negra entre as juízas não causa, claro, qualquer espanto a este ensaísta; mas, é algo bem peculiar ao racismo tupiniquim (abrasileirado) que agora se abraça à armadilha do Identitarismo.

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