15/04/2021
Se a razão já não convém.
É preciso suturar o indeciso
(Thiago Martins)
Penso que a boca do lobo está para nos engolir, a todas as pessoas. Esse fato, porém, não deve nos impedir de ver onde e como esse lobo foi criado. Não há como negar, para começar, que os atuais habitantes do Palácio do Planalto contaram com a ajuda luxuosa das chamadas esquerdas progressistas para subirem o palanque do executivo federal.
Interessante relembrar que quando o ex-metalúrgico subiu a cobiçada rampa, de imediato enfatizou que governaria sob uma herança maldita. O petista se referia ao fato de substituir um Tucano na presidência. No entendimento daquele, seu mandato representava a esperança, enquanto a presidência exercida pelo intelectual do PSDB representava o medo: a herança era maldita.
O analista não pode se deixar levar pela dicotomia esperança de um lado e medo do outro. Com base na Ética de Spinoza, o marxismo clássico se esforça para se desviar dessa dicotomia. Observamos, nas argutas palavras de Engels, que a caracterização do pequeno burguês especifica-se pela esperança de ascender à alta burguesia, por outro lado, este mesmo aspirante a alto burguês, teme cair no proletariado. Na campanha que elegeu Lula da Silva a presidente do Brasil em 2002, o publicitário Duda Mendonça, tentando responder às temeridades postas na mídia pela atriz Regina Duarte que temia futuras atitudes socialistas, supostamente tramadas pelo candidato de origem metalúrgica, declarou, para acalmar a gregos e troianos: “A esperança vai vencer o medo!” Funcionou e Lula foi eleito.
O ex-metalúrgico, lamentavelmente, não causou temor aos grandes empresários, tampouco conseguiu manter-se como esperança para os trabalhadores. Administrou o Estado sempre com um “bom” e duplo discurso. Para os ricos falava como um verdadeiro liberal; já aos pobres dirigia-se como se pleiteasse o socialismo. Pagou o pato e o pathos por nunca ter se decidido, visto que a esperança para os trabalhadores significa ao mesmo tempo medo aos proprietários do aparato produtivo (mas isso Josué de Castro já sabia).
Chegamos a uma outra interessante dicotomia. Nas eleições presidenciais de 2018, as esquerdas progressistas pautaram que o candidato da direita era fascista. Consequentemente, o candidato petista seria, por extensão, um verdadeiro democrata de esquerda.
Do mesmo modo como o petista não é comunista, o seu opositor no segundo turno das últimas eleições ao executivo federal não é fascista. Isso não anula o fato de que ambos, cada um a seu modo específico, tenham práticas fascistas. Tampouco elimina, o que é ainda mais preocupante, ser o atual morador do Planalto Central pior do que um fascista.
O que importa é que precisamos conhecer o que temos a enfrentar. Sem o conhecimento adequado da realidade, mesmo que “apenas” o mais aproximado possível, não temos chance alguma de êxito na vida cotidiana.
Não se pode repetir a dicotomia: temor versus esperança. A tragédia, não nos esqueçamos, não se repete, quando tenta voltar, reaparece como farsa!
Impossível analisar aqui como o cenário de crise estrutural do capital potencializou uma nefasta conjuntura, que, por sua vez, fertilizou um conjunto contingencial propício para que uma direita reacionária e negacionista, com cara bem brasileira, tenha se apoderado da administração do Estado. No entanto, sem nenhuma pretensão de esgotar a problemática, podemos citar dois fatores que colaboraram com o atual momento político: o acréscimo da violência urbana, que produz, como subproduto, as milícias; e outro elemento concorrente para a instalação da irracionalidade na política eleitoreira, como decorrência da desesperança causada pela crise capitalista, deu-se pela proliferação das igrejas neo-pentecostais nas periferias das grandes cidades.
Com a gerência do fundo público nas sujas mãos, a gestão estatal de direita, com seu idiossincrático retardo e com o apoio dos setores recém citados, pode implementar um dos projetos capitalistas dos mais atrasados possíveis.
Contando com o apoio da maldita herança deixada pelos antecessores de esquerda e de centro, o atual executivo, portanto, debocha da desgraça coletiva e se locupleta, entre um montão de outros malefícios, com a possibilidade de que seus representantes abocanhem o máximo de vantagem na partilha do fundo público.
Como analista, entretanto, ainda que temendo pela condição sanitária, entre inúmeros outros fatores que agora não cabe debater, não posso deixar de analisar o real de modo desantropomórfico.
O apagão intelectual comandado pelos representantes da esquerda que se diz democrática – não precisamos citar nomes, pois são muitos e de diversas ordens –, nos faz confundir água potável com água destilada, por exemplo. Essa confusão faz parte do jogo político imanente ao cretinismo parlamentar. Ela é necessária para que o PT volte a aparecer como salvador da pátria. Ou seja, a melhor opção diante de quem debocha da carnificina.
O que nos é possível?
A possibilidade, como muito bem ensinou os registros aristotélicos, pode ou não se realizar, na mesma medida. O resultado vai depender, como clareou o filósofo antigo, sempre das escolhas eleitas pelos agentes envolvidos na ação. Para o caso da política contemporânea brasileira, contudo, como a verdade é mera tergiversação, não há como se aplicar a dialética presente na Ética spinoziana da paixão autêntica. O que pode se esperar no campo do que se chama política, ainda segundo as reflexões deste filósofo, acompanhadas por Goethe e pelos clássicos do marxismo, são os extremos, mesmo que com seus intermédios, esperança e temor.
Por fim, desconhecer o inimigo, como diria Sun Tzu, é entregá-lo à vitória antes da batalha começar.
Ao fronte: que a razão e a sensibilidade nos guarde!
Falando nisso…
Você conhece os livros publicados pelo Coletivo Veredas?
Gostaríamos de indicar o livro “Estado, Política e Controle do Capital”, escrito por Milena Santos.
Resumo: O livro “Estado, política social e controle do capital”, de Milena Santos, trata de uma temática que ultimamente vem sendo objeto de discussão tanto no meio acadêmico, como no interior da categoria do Serviço Social. É comum encontrarmos na literatura que investiga tais categorias:, a defesa de um Estado que pode atender aos interesses da classe trabalhadora, através da ampliação e da implementação de políticas sociais cada vez mais universais, e a expansão dos direitos sociais como forma de solucionar os problemas sociais inerentes à ordem burguesa. No entanto, o que o referido livro tem de peculiar é a tendência teórica que o fundamenta, ou seja, a radicalidade na sua formulação, porquanto esta possibilita ir além dos limites da simples análise histórico-crítica do Estado e das políticas sociais, buscando, em uma abordagem ontológica, a causalidade do fenômeno, apreendendo, assim, a sua essência.
Tendo como objetivo desvelar as determinações ontológicas do Estado a partir de sua gênese histórica, a autora busca, através das formulações teóricas de Friedrich Engels, Karl Marx, Harold Laski e István Mészáros, realizar uma crítica às concepções de Estado hoje dominantes, contrapondo-se às ideias reformistas presentes na maior parte da produção intelectual e apropriando-se dos seus fundamentos. Seu esforço teórico considera que o surgimento do Estado resulta da existência do conflito gerado entre classes sociais antagônicas, Estado este de uma classe que utiliza seu poder político para dominar e administrar os conflitos sociais dentro de uma determinada margem, a fim de que possa manter sua dominação. Porém, sua existência não ocorrerá ad eternum.
Edições: 1ª Edição: 2016, impressa (esgotada)
2ª Edição: 2020, e-book