Coletivo Veredas Newsletter NL 32 | E agora, Bolsonaro?

NL 32 | E agora, Bolsonaro?

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15/11/2021

Lembram-se de Marx? A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa? Isso era nos bons tempos para os capitalistas, em que o desenvolvimento do capital e a decadência ideológica da burguesia que a acompanha mal haviam se iniciado.

Havia, então, alternativas reais, igualmente possíveis, estratégias diferenciadas para o desenvolvimento do modo de produção capitalista. Havia a tragédia e, então, a farsa. Desde então, o capital monopolista e o Imperialismo substituiram o capitalismo concorrencial, o fordismo elevou as forças produtivas do capital a um novo patamar e determinou uma nova relação do Estado com a economia, mais intervencionista (o Estado de Bem-estar), bem como crises cíclicas que foram se intensificando até chegarmos à Crise Estrutural, a partir de meados da década de 1970. Esta, tal como o fordismo o fizera no passado, requer uma nova relação do Estado com a economia (o neoliberalismo, para sermos breves) e uma nova intensificação da extração da mais-valia (a reestruturação produtiva, o toyotismo etc.). Ao longo deste percurso, algo constante: a intensificação das contradições sociais, da disparidade na distribuição de renda e riqueza, o aumento da violência na vida cotidiana e a intensificação da repressão e controle da sociedade pelo Estado e suas instituições complementares (segurança privada, complexo industrial militar, corporações de inteligência etc.).

A crise do sistema do capital chegou, por essa via, ao patamar que conhecemos. Por um lado, a destruição do planeta, a conversão da Terra em um ambiente inóspito aos humanos e, por outro lado, a necessidade que se intensifica a cada semana por cada vez mais mais-valia para cobrir o desequilíbrio de um sistema que apenas consegue se reproduzir pelas maciças injeções de capital pelo Estado. O que gera um desequilíbrio futuro ainda mais intenso (já que, ao fim e ao cabo, o Estado não produz qualquer capital).


Presos entre os dois dentes desta morsa colossal, resta aos burocratas a aos políticos uma margem de manobra cada vez menor. Têm de, todos os dias, correr atrás do prejuízo, nenhum planejamento digno do nome é possível: a governança, como dizem, se desdobra em uma crescente independência para com qual personificação do capital ocupa os “elevados postos de comando do Estado”. Ao final do dia, independente de ser Lula ou Bolsonaro, PSDB ou Podemos, PC do B ou PSOL, nada altera a não ser a perfumaria: a política econômica, a relação do Estado com a economia, a concentração de renda, a destruição do planeta, o massacre dos indivíduos por uma vida sem sentido, a violência, a fome, a miséria… nada de fundamental depende de quem ocupa o governo, todos farão o mesmo, excetuando as perfumarias de sempre.

Por isso, hoje, a história não mais se repete como tragédia e, depois, como farsa. Hoje, a continuidade é apenas a repetição desumana do passado, o prolongamento (linear, de tão constante) da mesma “governança”, da mesma “administração pública”, da mesma política econômica: apenas e tão somente o mais do mesmo. Bolsonaro, que entrou prometendo mudanças, termina na mesma senda de Lula-Dilma: no colo do Centrão. A oposição se aproxima das eleições com o mesmo quadro das eleições de 2018. Isto é, apostando em uma terceira via que seja capaz de bater Lula no segundo turno, já que tudo indica Bolsonaro já ficou pelo caminho, tal com o PT já ficara para trás em 2018. No cenário brasileiro, esta continuidade do mais do mesmo tem a marca do estamento político-burocrático e de sua expressão política, o Centrão.

Bolsonaro e Lula, de ontem e de hoje

Lembremos o cenário de 2017 e 2018. O apogeu da Lava a Jato, prisões de corruptos, Moro na capa do Times.

A ascensão, decadência e fim da Lava a Jato tem como fundamento o conflito entre a burguesia e o estamento político-burocrático ao redor da repartição da riqueza expropriada pelo capital do proletariado. O estamento político-burocrático – este enorme elefante branco composto desde os burocratas mais elevados até os funcionários públicos mais humildes do interior do país, desde as empresas estatais e paraestatais até a politicagem que se estende dos elevados picos do Congresso Nacional até o mais insignificante vereador e seus assessores, desde o Presidente do Banco Central até a agência mais modesta da Caixa Econômica e do Banco do Brasil – é a mediação prática, cotidiana, entre o Estado e as necessidades de reprodução do capital. Na medida em que a crise estrutural aumenta o peso do Estado na economia, correspondentemente também eleva a importância desta mediação: qual empresa, qual setor econômico, qual “empreendedor” receberá as benesses estatais sob a forma de financiamentos, renúncias fiscais, encomendas etc. é algo que será decidido, na sua imediaticidade, pelos integrantes do estamento político-burocrático.

Este fato foi reconhecido com precisão por Lula. Como parte do “modo petista de governar”, se organizou nacionalmente o estamento político-burocrático para cobrar do capital o que lhe caberia da riqueza produzida pelos proletários. Ao contrário de antes, em que não havia uma coordenação nacional, sob Lula a racionalidade da cobrança de propinas e outras formas de corrupção pelos políticos e burocratas alcançou um novo patamar. As taxas da corrupção foram regulamentadas e homogeneizadas, a distribuição das propinas entre os diversos setores do estamento foi ordenada, o “cálculo” do custo da corrupção passou a ter uma maior precisão. Os setores da burguesia mais diretamente ligados ao Estado viram com bons olhos esta nova organização. A racionalidade da corrupção nunca foi mais elevada: havia toda uma lógica na distribuição e cobrança de propinas. Graças a esta previsibilidade, uma empresa como a Odebrecht pôde montar um “Departamento de Operações Estruturadas” apenas para cuidar do pagamento da corrupção. Segundo a própria empresa, entre 20 e 25% dos custos de um projeto para o Estado, no Brasil e na América Latina, correspondiam ao pagamento do que Delúbio Soares, este impagável criador de expressões linguísticas, denominou de “recursos não contabilizados” os quais eram o cerne da “suruba geral” entre empresários, políticos e burocratas.

A crise de 2008 alterou o quadro.

Era preciso reduzir o “custo do Estado” (entre outras coisas, o custo da corrupção que, no apogeu, abocanhava cerca de 600 milhões de reais por dia, cerca de 290 bilhões de reais por ano) e para isso veio a Lava a Jato. A racionalização e organização nacional da cobrança de propinas possibilitou também um repressão em escala nacional: desde a Petrobras e os Correios, até o Palácio do Planalto; e dos altos postos de comando do Estado e várias figuras de proa da política nacional (pensemos em José Serra e em Aécio Neves, para não falarmos dos mais famosos, entre eles muitos petistas) até as Câmaras Municipais e Escolas Públicas das menores cidades, etc. Tal repressão quebrou a espinha dorsal do “mecanismo”: a aliança preferencial do PT com as grandes empreiteiras e o capital envolvido nos grandes eventos, como a Copa do Mundo (lembram-se do 7X1?) e as Olimpíadas. O apogeu da Lava a Jato correspondeu ao impeachment de Dilma e à eleição de Bolsonaro.

A derrota do estamento político-burocrático parecia, então, irreversível. A aparência, contudo, seria logo negada pelos fatos.

A eleição de Bolsonaro foi também a derrota eleitoral da maior parte dos caciques políticos que, de Brasília, controlavam a porção política do estamento político-burocrático. Uma nova geração de políticos, muitos ainda “virgens de Brasília”, a maior parte surfando na onda anticorrupção dos bolsonaristas, foi rapidamente (coisa de 4 a 6 meses) reincorporada a um comando renovado do estamento político-burocrático. Um comando mais moderno, aberto a negociações com o capital. Alcolumbre no Senado, Rodrigo Maia na Câmara, este mais do que aquele, eram as estrelas em ascensão. Aproveitando-se da ameaça que Bolsonaro (com seu nacionalismo e estatismo) representava às reformas desejadas pelo capital, das inseguranças trazidas por um governo que ninguém sabia ao certo para onde iria – e com a tão importante Reforma da Previdência sobre a mesa –, Rodrigo Maia se surgiu como o novo chefe da quadrilha. Tinha trânsito junto ao grande capital, conhecia os meandros do estamento político-burocrático e Bolsonaro dialogava com ele.

Foi questão de semanas para que o estamento político-burocrático se convertessse na garantia de que as reformas passariam pelo Congresso, em que pese a oposição ou corpo mole de Bolsonaro (lembram-se do “Parlamentarismo branco”, isto é, de Rodrigo Maia agir de fato como um Primeiro Ministro?). O estamento político-burocrático voltou, então, a negociar a partir de uma posição de força com o grande capital. Aceitava reduzir a corrupção, aceitava aprovar em Brasília as reformas, inicialmente a da Previdência – desde que a Lava Jato fosse posta a baixo. Foram apenas alguns meses: o site The Intecept deu a deixa, Moro caiu do governo, o Supremo cancelou os processos e Lula estava solto e era o candidato presidencial de sempre.

Foi esse o apogeu da curta trajetória de capo di tutti capi de Rodrigo Maia. A incompetência de Bolsonaro e a intensificação do conflito com o conjunto do capital abriu uma nova oportunidade para o baixo clero do estamento político-burocrático: uma aliança com Bolsonaro que impediria que este passasse por um impeachment e que colocasse o Centrão como fiador do governo. Para isso era preciso depôr Maia (que representava a “oposição” a Bolsonaro). A puxada de tapete em Rodrigo Maia, segundo as fofocas de Brasília, teria sido dada por A.C.M Netto, até então dele amigo e fiel aliado. Deposto Maia por Lira (um autêntico representante do baixo-clero do Congresso), avançou-se ainda mais na desmontagem jurídico-legal dos parcos mecanismos anticorrupção da época da Lava a Jato. O Centrão está, hoje, como pinto no lixo, feliz como nunca! Mesmo Roberto Jefferson, preso, está calado para evitar marolas!

Foi assim que chegamos aos nossos dias. Um Bolsonaro mantido no poder por um dos pilares nacionais da corrupção que prometia combater, um Centrão, finalmente, com a faca e o queijo na mão. Nunca, nem mesmo nos momentos mais débeis de Dilma, esteve o Centrão com tanto controle dos gastos governamentais. Para aumentar seu cacife, já deixou claro que se dispõe até mesmo a negociar com o grande capital a abertura de um impeachment contra Bolsonaro – se este “passar dos limites” e o capital aceitar pagar o preço exigido.

A desesperada tentativa de golpe dos bolsonaristas, o famoso “7 de setembro”, não passou de uma batalha de Itararé. Revelou antes a fraqueza que a força dos bolsonaristas e desvelou um Bolsonaro covarde e pusilâmine que chama para o combate os seus e, depois, frente à derrota, os abandona à própria sorte. Aqueles que acreditaram em Bolsonaro e apostaram na sua valentia, como Roberto Jefferson, Zé Trovão, parte dos caminhoneiros etc. estão presos ou sendo processados, sem que o Presidente faça nada por eles. Estão com as barbas de molho: Bolsonaro perdeu parte significativa de sua moral, de sua potência política e, mesmo, eleitoral.

A crise econômica se aprofunda, é provável que as eleições de 2022 ocorram em meio a uma recessão econômica e a reeleição de Bolsonaro é cada vez mais um sonho distante. O Centrão vai tirar até a última gota de sangue deste governo e, logo a seguir, vai começar a negociar com os novos prováveis presidentes. Caso no segundo turno tenhamos Lula e um “terceira via”, a possibilidade de derrota petista é real, dado o alto índice de rejeição do candidato petista… percebem: nada de novo no horizonte, tão somente mais uma rodada do mais do mesmo. Lula, Bolsonaro, terceira via? O que importa?
 

Importante mesmo é preparar a revolução proletária.
 

Pode até ser que ela não venha. Não menos verdade, contudo: ela nunca esteve tão perto. Nunca as contradições entre as relações de produção e o desenvolvimento das forças produtivas atingiram o antagonismo dos nossos dias, nunca a vida humana se tornou tão difícil – econômica, social e mesmo afetivamente. Jamais, humanidade e capital se contrapuseram com tanta brutalidade. Entre a destruição da humanidade e o comunismo, a primeira é uma possibilidade, mas o segundo nunca esteve tão próximo. Ser revolucionário raramente foi tão pleno de propósito, tão apropriado ao momento histórico: à luta, camaradas!

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