Coletivo Veredas Newsletter NL 34 | Sobre a Pandemia COVID-19 nos tornar pessoas melhores

NL 34 | Sobre a Pandemia COVID-19 nos tornar pessoas melhores

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21/01/2021

Esse não chega a ser um texto teórico-filosófico aprofundado, apesar dos nossos referenciais não deixarem de dar o tom da conversa. Está mais para uma reflexão que antecede aquelas que alguns costumam fazer no final do ano, ou, às vezes, em qualquer momento da vida. É mais uma reflexão existencial, do que uma crítica sistematizada.
 
Nos aproximamos de dois anos de pandemia e, como tem ficado cada vez mais claro, não iremos sair dela melhor do que entramos. Essa parecia ser uma grande esperança em meados de abril de 2020, poucos dias depois de ser oficialmente decretado o estado pandêmico no Brasil.
 
Conforme os meses iam passando, mais pessoas se agarravam nesse otimismo, quase como quem, ao mesmo tempo que tenta negar a gravidade e concretude da situação, a afirma, constatando sua extensão com o argumento de que, está ruim, mas isso nos tornará pessoas melhores no futuro. Algo como um ritual de purificação.
 
Fato é que, passaram-se muitos meses e aquela crença foi perdendo pouco a pouco seu espaço, mesmo que outras tantas tenham se espalhado mundo afora. Só para lembrarmos de algumas delas, as mais pitorescas, recordemos que o Coronavírus, para certas pessoas, seria uma espécie de praga enviada por Deus para punir os seus filhos desviados, corrigindo-os.
 
Para outros indivíduos, talvez em um nível de delírio coletivo até mais elevado e perigoso, o vírus causador da Covid-19 é obra de uma organização mundial que trama pelo controle global e, contra a qual, personalidades “ilustres”, verdadeiros messias, estariam em uma cruzada digna das melhores ficções, lutando para libertar o mundo. Entre elas, Trump e o próprio – com o perdão da palavra – Bolsonaro. “Vai vendo, Brasil”!
 
É claro que toda essa falácia, incluindo também a crença na melhora da humanidade através do Coronavírus, não passa de devaneios, uns mais absurdos que outros, é verdade, mas no geral, todos distam muito da realidade. Em alguns casos, até por inocência ou ignorância, em outros, por motivos particulares e eticamente duvidosos, também conhecido como mau caráter.
 
Contrariando os mais esperançosos, a pandemia não só não está tornando ninguém melhor, como tem agravado muito a situação de inúmeros brasileiros, em especial daqueles trabalhadores mais precarizados e mais terrivelmente explorados pelo capitalismo. A pandemia tem servido muito bem ao propósito de expor aquilo que, desde sempre existiu, mas que de alguma forma – pasmem – não conseguia chamar tanta a atenção de alguns setores da mídia.
 
A Covid-19, como muitos já disseram em outros meios, tem classe social. Muito embora, não falte discurso tentando unificar todo mundo, que a doença atinge ricos e pobres indistintamente. De fato, ser sócio majoritário de holdings, não imuniza contra o Coronavírus. Entretanto, parece bem óbvio que um businessman desses tem muito mais acesso ao que melhor e mais sofisticado o capitalismo conseguiu produzir em termos de cuidados médicos.
 
Enquanto isso, milhares sequer têm condições mínimas que lhes permitam manter a higiene das mãos. Uma casa então, para trocar de roupa logo que chegar do supermercado. Impensável. Essas pessoas estão pelas ruas, de cama têm apenas pedaços de papelão já gastos por muitas noites de uso. E o cuidado com a higienização dos alimentos, também não faz parte da realidade desse povo. Comem quando encontram alguém que, sob pretexto político partidário ou de caridade religiosa, lhes oferecem uma quentinha.
 
São algumas entre tantas outras maravilhas produto da nossa organização societária, a mesma que produz alimentos para o dobro da população mundial, enquanto morre uma criança de fome no mundo a cada cinco segundos. E isso antes da pandemia.
 
Então, não, a pandemia não vai nos tornar melhores. Não vai fazer a vida dessas pessoas melhores, muito pelo contrário, como já afirmamos, tem produzido para elas um exemplo fidedigno daquilo que os religiosos chamam de inferno na terra.
 
Não é atoa que, como muitas pesquisas já apontam, desde o início da pandemia, as pessoas têm se sentido mais ansiosas e mais deprimidas. Quem já sofria do mal do século, acompanhou um agravamento sem precedentes, enquanto quem nunca teve que lidar com esse tipo de problema antes, por conta da pandemia, pela primeira vez, soube o significado de crise de ansiedade, pânico etc. A própria Organização Mundial de Saúde já se posicionou sobre os efeitos da pandemia em relação à saúde mental.
 
E mais uma vez somos obrigados a reconhecer que, os que estão mais propensos a situações mais traumáticas no meio de uma pandemia, são justamente aqueles que menos têm condições, por exemplo, de manter um acompanhamento com um psicólogo. Ou seja, outra vez o caráter de classe se mostra como impossível de ser negligenciado.
 
Pensemos, nas milhares de mães e pais que choram seus filhos, nos filhos órfãos que lamentam a perda tão cedo de seus genitores. Pensemos nas tantas e tantas famílias dilaceradas, quantos traumas que jamais poderão ser resolvidos e que para o resto da vida dessas pessoas, serão motivo de dores irreparáveis, para as quais nenhum fármaco tem efeito.
Como alguém pode realmente achar que algo de bom sairá disso tudo? E como se isso não fosse suficiente, no Brasil, o Estado que deveria simplesmente fazer o seu papel, se mostrou omisso tanto quanto foi possível. O chefe do executivo nacional, fez piada e pouco caso daqueles que perdiam a vida sufocando, depois de ter declarado que nada aconteceria e que a doença não passava de uma “gripezinha”.
 
Insistiu na negação da ciência e desacreditou as vacinas. Estas poderiam ter evitado milhares de mortes se tivessem sido providenciadas com mais brevidade. Por sinal, as vacinas têm sido outro denunciante do caráter de classe com o qual a Covid-19 faz suas vítimas.
 
Recentemente, uma nova variante foi detectada na África do Sul e se espalha não só por aquele continente, mas por todo o globo. Ou seja, enquanto os países com capitalismo mais forte puderam adquirir suas doses de imunizantes em quantidade razoavelmente aceitável, os países mais pobres não conseguiram imunização suficiente de seus habitantes. Resultado: o capitalismo com suas classes sociais antagônicas produziram uma nova variante, antes mesmo de termos nos livrado da pandemia.
 
Portanto, ninguém vai sair da pandemia como ser iluminado e melhorado, coletivamente também, não haverá essa transformação de água em vinho. Seremos os mesmos, a única diferença é que muitos de nós nunca mais verão os entes queridos e sofrerão pelo resto da vida com sequelas físicas e psicológicas.
 
Também não se trata de um castigo divino ou delírios afins. Não há nenhum plano sobrenatural que engendrou esses quase dois anos de pandemia e mortes dela decorrentes. Não há ninguém em um além nos punindo, assim como não há um ser imaterial, onde quer que seja, nos protegendo. Somos só nós e a história, material e dialética.
 
Nada mudou ou mudará até que a própria organização da produção material da riqueza seja também transformada. Mas isso não quer dizer que sairemos todos iguais desse estado pandêmico. Enquanto uns morrem, outros fazem fortunas, como os grandes laboratórios e farmacêuticas. Como já dizia Marx no Manifesto do partido comunista, no capitalismo tudo vira mercadoria. O sofrimento ou até mesmo a morte daqueles que amamos, nessa sociedade, não tem passado – para alguns – de uma oportunidade de lucrar.
 
Por fim, é mera ilusão ou até mesmo ignorância achar que essa tragédia tem algo de bom pra nós enquanto indivíduos de modo geral e enquanto coletividade, enquanto gênero humano. Mas a parte pior é que essa ilusão pode contribuir para mascarar o quão grave tem sido e continuará sendo para muitas pessoas vitimadas de alguma maneira pela Covid-19.
 
Essa ilusão e esse otimismo radicalizado pode ser muito útil ao capitalismo em algo que ele domina muito bem, tentar jogar para debaixo do tapete da história as suas próprias sujeiras. Ou, minimizar os desastres que tem causado. De qualquer forma, se tem uma classe para a qual não é ontologicamente vantajoso negar a realidade, essa classe é a trabalhadora. Para a burguesia e seu secretário, o Estado, é muito proveitoso aparentar que está tudo bem.
 
Talvez pensar sobre isso praticamente nas vésperas do natal, seja um desconforto para algumas pessoas, até mesmo para comunistas mais espiritualizados, religiosamente falando. É possível que até velhos dilemas existenciais, já deixados meio que de lado, apresentem-se ao palco do cotidiano outra vez. Mas é preciso refletir sobre isso, para que não deixemos em momento algum se deixar levar por falsas esperanças de dias melhores, sem que para isso, anteceda a revolução comunista.
 
Até lá, seguiremos firmes, infelizmente, precisando conviver com os otimistas radicais, mas, faz parte da luta também. Desejamos boas festas de fim de ano, especialmente daquelas onde importa mais a confraternização com boas pessoas que os presentes que elas trazem.

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