Coletivo Veredas Newsletter NL 46 | Papai Noel, Páscoa, Política, Perspectiva e Poética

NL 46 | Papai Noel, Páscoa, Política, Perspectiva e Poética

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Contra o flagelo
tem que lutar de parabelo na mão.
(Lenine e Paulo César Pinheiro)

Esse texto tem a pretensão de se comunicar com quem acredita em coelho da páscoa, natal, reforma política, Neymar Jr., Big Brother Brasil, Todos Pela Educação, ocupação em frente a quartel, entre um monte de presentinhos que os dias atuais cospem nos olhos, bocas, ouvidos e pele de quem está vivo.

No jornalismo, na política e em outros campos da vida social é criado um caminho, que opõe duas estradas. Uma que se inclina à esquerda, mesmo que sua natureza seja conservadora, e outro com os dois pés no mais rasteiro reacionarismo de direita.

Os dias atuais, apenas para citar um exemplo largamente comentado pela mídia local, impõem a aparência de que somos obrigados a escolher entre o jornalismo da Jovem Pan ou o da Uol. Como se acredita que não existem melhores opções, escolhe-se o menos ruim, o menos antipático, o menos direitista… Quando se está a falar do espaço sufragista eleitoreiro, afiança-se a Volta dos que não foram. Isso é encarado como se o resultado das urnas garantisse o fim do bolsonarismo. Os que assim agem, esquecem ou tergiversam sobre o seguinte fato: a administração estatal operada pela Volta dos que não foram colaborou, politicamente, para a ascensão do Bolsonaro e contribui, moralmente, para a sustentação do bolsonarismo.

Não é um privilégio brasileiro!

O mundo todo está enfronhado em crise econômica, moral e naturalmente cultural, que não encontra precedentes na história humana. Perto de nós, nos arredores sul-americanos, em pouco tempo, noticia-se o atentado contra a ex-presidente argentina Cristina Kirchner e a tentativa de fechamento do congresso peruano por seu presidente Pedro Castilho. Há de se dizer que Castilho é historicamente alinhado às esquerdas liberais que, nesse continente, se consideram as melhores escolhas que o conjunto das trabalhadoras e trabalhadores dispõe.

O Brasil, com o caráter idiossincrático de atraso de sua elite, logra suas peculiaridades!

Do campo da ciência, passando pela esfera jornalística e atingindo de mão cheia os acordos que delimitam o alargamento estreito do âmbito político, a cara brazuca é pintada com as cores de uma interessante bipolaridade. Essa bipartição é tão surpreendente que Alexandre de Moraes, ministro que acende ao Supremo Tribunal Federal (STF) por indicação de um denominado “Golpista” – antes inimigo das esquerdas liberais –, assume um posto de destaque ao enfrentamento jurídico das demandas defendidas pelos apoiadores da Volta dos que não foram.

Não se pode esquecer, por isso, repete-se: A volta dos que não foram tem importância ímpar na gênese que desprende a milícia que passou a ocupar o Planalto nos últimos quatro anos.

Mesmo para quem não acredita em mito, páscoa, natal, Rede Globo, STF, entre outras ilusões, o caminho não é animador. O semblante contemporâneo brasileiro é de extrema preocupação e ansiedade.

Como faço parte do grupo que não nutre esperanças por Polícia, Milícia, Política, ou Natal, naturalmente não possuo bola de cristal. Isso implica dizer que não posso prever o futuro. Não obstante a essa impossibilidade, e perante a constatação refletida pela poesia de Chico Science: “quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”, não se pode calar diante de tais circunstâncias. Independente que estejamos próximo ao dia dos pais, mães ou final de ano, em que as pessoas esperam palavras de previsão otimista e apoio apaixonado, é necessário clarear que toda perspectiva revolucionária precisa ser a mais avançada possível.

De todo modo, diante da ausência de uma bola de cristal, saio da oclusão da lente do pensamento cotidiano e recluso-me na poesia. Ela não é cúmplice de uma lâmpada maravilhosa dotada de um gênio que possa apresentar perspectivas ilusórias, mas possibilita determinada filtragem que depura a heterogeneidade do modo de pensar opaco do cotidiano.

Com a lente posta por Carlos Drummond de Andrade, entendemos que “…/ As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda.” Por isso, ainda que alguns achem bárbaro o espetáculo, os revolucionários preferem a vida. Não essa vida medonha e bipolarizada que hoje o capitalismo periférico brasileiro nos entrega. Haja vista que, conforme pensa o poeta itabirano, há “…/ um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação”.

Já que falamos em perspectiva, poesia e revolução, vale relembrar que em intervenção efetuada no IV Congresso dos Escritores Alemães, ocorrido em 11 de janeiro de 1956 na cidade de Berlim, Lukács declarou: “Possuímos, por certo, uma concepção otimista de mundo, e estamos profundamente convencidos de que os grandes conflitos no plano da história universal podem ser corretamente resolvidos por nós.” A advertência do revolucionário magiar é apropriada para concluirmos esta pequena matéria. Dado que o otimismo histórico-universal, além de não excluir as tragédias individuais, precisa ser alinhado ao projeto de emancipação plena do sujeito humano. E isso implica, em primeira ordem, na superação do capitalismo, no fim da propriedade privada e na consequente assunção do modo de produção de trabalho associado.

Há alguns motivos preponderantes para que as palavras derradeiras dessa matéria procurem atenuar sua acidez.

Em primeiro lugar, o respeito por aqueles que insistem em nos ler até o final!

Em seguida, mesmo que a maioria dessas pessoas alimentem a crença de viverem no país do futebol e que sejam apreciadoras dos reality shows globais, levam em si a humanidade, embora que camuflada pelo capitalismo atrasado brasileiro. Ainda que, por meio da via eleitoreira, carreguem a vã esperança de que o Movimento Todos Pela Educação suplante o ensino Cívico-Militar, e que a pobre escola pública enterre o bolsonarismo, são seres humanos que merecem e precisam de dias melhores.

As palavras derramadas ao final, portanto, são refinadas com a aguardente permitida somente à poesia. Elas guardam, embora que por meios não científicos, senão artísticos, a perspectiva revolucionária da humanidade.

As palavras escolhidas são de Vladimir Maiakóvski e se intitulam, não por acaso para esse fechamento: O AMOR.

Com esse amor, de alguma maneira, espero tingir a acidez das presentes linhas. Pois tal poesia trafega uma certa tonalidade alegre. Essa alegria, ainda que por meios catárticos, enchem os sentimentos daqueles que anseiam por uma vida realmente digna da humanidade guardada em cada um.

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zôo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
– Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casas.
Para que doravante
a família seja
o pai,
pelo menos o Universo,
a mãe,
pelo menos a Terra.

– 1923, tradução de Haroldo de Campos

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