29/11/2020
Por Jorge Bahia
Não podemos tirar os méritos de Maria Cristina Fernandes e do autor dos livros que ela cita na sua matéria (“A República das Milícias” e “A Guerra: A Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”), Bruno Paes Manso, por nos brindarem com informações preciosas para entendemos o estágio atual da luta de classes no Brasil, que se exacerba a passos largos, açodada pela crise de exaustão do capital, que se depara com uma situação onde já não consegue se reproduzir de forma ampliada, com uma taxa de lucro que o remunere à contento. Portanto, entender o “crime organizado” no Brasil, a sua inserção e controle das regiões periféricas, principalmente nas grandes metrópoles, se torna de interesse vital para o delineamento tático para a intervenção (organizada) da classe trabalhadora nesses espaços de moradia de grande parte daqueles que possuem apenas a sua força de trabalho para vender (em situação cada vez mais aviltante).
Considero que a matéria (amparada segundo a autora pelos citados livros) comete alguns equívoco ao deslocar o “crime organizado” e as milícias (sendo aqui a distinção pelo fato de que as milícias são majoritariamente compostas por militares e ex-militares) da periferia/franjas do poder (forças auxiliares, coadjuvantes) para o “centro do poder”, local já ocupado, onde reina soberana a burguesia em suas diversas frações (capital interno, capital associado e grande capital financeiro internacional) sendo oportuno ressaltar que não é incomum o fenômeno da apropriação das instituições do Estado por diferentes frações da classe dominante e mesmo por frações de classes dominadas integradas ao capitalismo e que podem servir de aliadas das frações burguesas em disputa –É uma constante nos Estados capitalistas. Além disto, é sempre bom lembrar uma lei da física que vaticina que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Toc-toc? Tem gente!
O fato de um notório miliciano ocupar o cargo máximo do poder executivo do Estado Brasileiro (que tem como característica um regime presidencialista “autoritário” e dotado de um processo de tomada de decisões que relega o Legislativo e os partidos políticos a um plano secundário, onde ganha destaque a disputa pelo controle das instituições do Executivo e do Judiciário), isto não significa que a milícia está no poder. Temos um miliciano à testa do poder de Estado, assim como tivemos há bem pouco tempo um ex-operário. Quem está no poder é a mesma burguesia que estava nos governos que precederam ao do miliciano Bolsonaro, alternando apenas a fração hegemônica, sendo que hoje esta fração é do capital associado e do grande capital financeiro internacional, que alijou o capital interno que foi hegemônico durante os governos do PT. Mas, não duvidemos, a burguesia sempre esteve e sempre estará no poder enquanto perdurar o capitalismo.
Ao me referir a hegemonia, estou me atendo à disputa de posição pela hegemonia entre as frações da burguesia em relação ao controle das instituições do Estado, o que é diferente de dizer que na sociedade existe uma hegemonia da burguesia sobre as demais classes. Neste segundo caso, o termo correto é dominação. A classe dominante, a burguesia, exerce a sua dominação sobre a classe trabalhadora (e demais segmentos e estamentos de classe), a classe dominada.
À respeito do tema “crime organizado” recomendo a leitura da matéria da revista Piauí de 27/02/2018, intitulada “O problema do Rio não são os bandidos, são os mocinhos’, onde o entrevistado é o ex-chefe da polícia civil do Rio, Hélio Luz (ex-militante do MR8), que também foi entrevistado no documentário Notícias de uma guerra particular, que também deve ser visto: (https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/o-problema-do-rio-nao-sao-os-bandidos-sao-os-mocinhos-diz-ex-chefe-da-policia-civil-27022018).
Em um país que tem a segunda maior concentração de renda do mundo (segundo dados da ONU de 2019, no Brasil o 1% mais rico concentra 28,3% da renda, perdendo apenas para o Catar em desigualdade de renda, onde 1% mais rico concentra 29% da renda) taxa de desemprego hoje em 14,4% -13,8 milhões de pessoas que se acrescentarmos aos 5,9 milhões de “desalentados” termos um total de 19,7 milhões de desempregados, portanto uma taxa de 20% de desempregado para uma população economicamente ativa de 105 milhões de almas (o PEA considera pessoas acima de quatorze anos até sessenta e cinco exceto os aposentados). Caso queiramos incluir nessa conta os subempregados, os precarizados, os que trabalham em jornadas reduzidas, teremos um quadro mais real da “tragédia” social brasileira.
A pandemia serviu como contraste, uma lente de aumento, que deu visibilidade a uma situação que pelos números se torna insustentável.Mesmo levando em conta as fraudes, o número de inscritos para receber o “auxílio emergencial” do governo federal, 67,7 milhões de pessoas, nos dá uma dimensão da situação de um grande contingente de trabalhadores, das quais o governo revela que sequer “tinha conhecimento da sua existência” e que foram chamadas de “invisíveis”. Notícias recentes nos esclarece que as seis famílias mais ricas do Brasil, possuem fortunas que somadas correspondem à riqueza de 50% da população do país. Em outra família de São Paulo, o patriarca resolveu transferir aos seus herdeiros, em vida, o quinhão de cada um e transferiu para um paraíso fiscal no exterior a bagatela de R$ 48 bilhões, já abatendo R$ 2 bilhões referentes aos impostos.
Sejamos realistas: Não existe a menor possibilidade desta situação ser revertida por nenhuma política de “distribuição de renda” ou coisa que o valha, pois, esta concentração de renda resulta e se traduz em poder político.
Convenhamos, fazer o manejo e o controle de uma população pauperizada, faminta e desesperada já não é possível apenas com os mecanismos repressivos usuais, através das polícias, que mesmo utilizando praticas sistemáticas de extermínio (necropolítica) da população (na sua maioria jovens, negros, da periferia), já não é capaz de conter a “sensação de insegurança” que afeta as grandes metrópoles. O aumento do contingente de policiais para mitigar, via repressão (um problema social criado pelo desemprego) se tornou contraproducente, à medida que o Estado já não tem como bancar (sem comprometer as suas finanças e os investimentos em infraestrutura visando o aumento da taxa de lucro do capital bem como o pagamento de quantias cada vez mais vultosas aos bancos à título de juros e serviço da dívida), a constante pressão para aumentar o número de policiais. Neste contexto, o “crime organizado” e as milícias caem como uma luva, pois além de fomentarem um ramo rentável da economia, o narcotráfico (além de outros como transporte clandestino de passageiros, gatonet, tv à cabo, agua mineral, gás, caça-níqueis, grilagem de terrenos e construção de imóveis, agiotagem, etc.), eles cumprem, juntamente com as igrejas evangélicas, o papel de controle e repressão das populações onde atuam, além de se apresentarem como uma alternativa de fonte de renda para parte da população e, claro, hoje controlam e vendam os votos das pessoas que residem nos territórios sob o seu controle. Quer seja o crime organizado ou as igrejas evangélicas, estes se tornaram cabos eleitorais de peso e imprescindível para qualquer candidato a qualquer cargo eletivo. Em São Paulo, é conhecido o acordo informal entre o Estado e o PCC (“a política de encarceramento em massa de São Paulo, aliada aos arranjos que preservavam a capacidade de gerência da cúpula da organização criminosa, embasavam a prolongada trégua nos índices paulistas de homicídio” -) que resultou na queda do número de homicídios. Recentemente surgiram notícias da ligação do candidato à prefeitura, Russomano, com o PCC. Em São Paulo, o PCC “monopolizou” o crime. Não existe briga de facções por lá. Já no Rio, o “crime organizado” é desorganizado, ou seja, ainda não é monopolizado à ponto de permitir um “acordo” único com o Estado, que permita um armistício e uma “convivência pacífica”. Mas, a milícia caminha à passos largos neste sentido, pois, ao mesmo tempo que aumenta a sua abrangência territorial, eles aumentam o seu poderio político elegendo candidatos em todas as esferas do Estado.
O “crime organizado” e as milícias são “franquiais”, “concessionárias” do Estado. Os “chefões do crime” (organizado) estão em sua maioria encarcerados, controlando “tudo” de dentro dos presídios (de segurança máxima).
Não minhas senhoras e meus senhores, não existe nenhuma república das milícias. A burguesia nunca saiu do controle e o modo de produção capitalista e as suas “personas”, a burguesia, não irão colapsar como ocorreu com o império romano cujas invasões barbaras foram apenas o desfecho, o arremate, de séculos de crise e degradação do modo de produção escravista, de onde foi parido o feudalismo na Europa. A burguesia está à postos e irá lutar com todas as armas, até o fim. A burguesia terá que ser derrubada. Mas, para isto, antes, é necessário que parem de fingir que ela não existe.
Falando nisso…
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Resumo: O livro Violência e Capitalismo. de Maricelly Costa, mostra a relação histórica necessária entre o capitalismo e a violência. Traça o percurso da evolução desta relação, desde o século 16, com a acumulação primitiva do capital, até os nossos dias, marcados pela crise estrutural. Um texto imprescindível para compreendermos as bases histórico-sociais da violência em nossos dias.
Edições: 2018, impressa