Influenciadores ‘comlulistas’: devemos ocupar as redes sociais?

As redes sociais, assim como a própria internet poucos anos atrás, têm ecoado vozes de vários timbres ideológicos. Agora, de forma muito mais frenética e aligeirada. A timeline parece ter sua própria dimensão temporal, à qual o cotidiano é moldado dia após dia. Mas em última instância, esse espaço caótico, como não poderia ser diferente, reflete os problemas da realidade material. Assim, a decadência ideológica, política etc, faz transbordar as redes sociais.

Toda a sujeira e imundice das disputas por poder político, da politicagem e de tudo quanto possa ser um desserviço para a classe trabalhadora, tem certamente seu perfil numa dessas plataformas, ou, em todas elas. É diante dessa realidade impossível de retroceder que se coloca sempre às pessoas empenhadas em contribuir com a revolução comunista, o questionamento sobre a importância estratégica de também firmar posição nessa terra sem lei.

Os casos que já temos de pessoas auto proclamadas comunistas, que resolveram desbravar as redes sociais levando a palavra de Marx, por vezes não são muito dignos de exemplo. E aqui precisamos ser honestos em admitir que nem sempre, nesses casos, o cerne do problema é o influencer. Alguns são comprovadamente camaradas que dedicam mais do que podem em prol da superação do capital, da queda do Estado burguês, da abolição da propriedade privada etc. Acontece que aquele aspecto próprio das redes sociais, sua hiper imediaticidade, super fragmentação, parecem ter um poder de tornar rasteiro qualquer conteúdo, por mais sério que esse possa ser.

Por outro lado, como dissemos, a decadência não deixa de passear por ali. E por esse motivo é que encontramos lá os mesmos defensores do capitalismo como passível de ser melhorado, humanizado. E o que é mais interessante: também se autodenominam de comunistas. Se bem que alguns deles, já com muita notoriedade no meio político-burguês, parecem constrangidos de usar a velha alcunha, se colocando no máximo como progressistas e, na melhor das hipóteses, como esquerda.

Mas dizem que tudo que é ruim, pode piorar. E nesse caso piora bastante! Esses esquerdo-lulistas-progressistas têm uma enorme audiência, graças às redes sociais. Alguns desses nobres revolulanários são até considerados verdadeiros influencers, tamanho é o público que segue suas páginas pelas redes sociais e são por eles influenciados politicamente. Uma multidão de pessoas terá muitas vezes esses comunas popstars como única referência sobre marxismo, revolução comunista etc. E nesse meio teremos dominantemente trabalhadores(as) que passarão, instruídos por cortes de vídeos ou stories de segundos apenas, a defender o próprio capitalismo achando que lutam contra ele.

O futuro dos nossos influenciadores comlulistas é o mesmo da esquerda gratiluz politiqueira da via do Estado: galgar cargos e posições políticas cada vez mais altas. A lógica deles – supomos na melhor das hipóteses – é derrubar o capitalismo por dentro, o que a história já provou ser inviável e, que o próprio Marx já alertava com relação ao famigerado Programa de Gotha.

E aqui cabe um parêntese. A esquerda gratiluz jura de pés juntos que vai chegar em algum lugar rumo à uma revolução comunista com poesia, flores, um violão velho e conversando com plantas. E essa galera tá bombando na internet. Nada contra os poetas e tocadores de violão e artistas em geral, já com os fluentes na língua das plantas tenho certo receio. Parece que essa turma não conhece o básico da história das grandes transformações nas sociedades, geralmente elas aconteceram banhadas por muito sangue – como a Revolução Francesa, por exemplo. E sim, eu sou a favor da violência! Dependendo de quem e/ou o que esteja com o alvo nas costas. Se o alvo for o capitalismo que mata uma criança de fome a cada quatro segundos, eu não me importo.

Fechado o parêntese, tudo isso nos coloca continuamente diante do desafio de ocupar espaço nesses novos meios de contato com a classe trabalhadora, ou pelo menos com boa parte dela. Mas como fazer isso sem baixar o nível, sem se entregar a lógica aligeirada, imediatista e fugaz de um feed de rede social? Por que de uma coisa temos certeza, estão ocupando esse espaço e estão fazendo chegar a milhões de pessoas, dentre outros ataques à teoria revolucionária marxiana, a fantasia de uma saída pela política.

Apesar desses influenciadores criticarem o percurso de seus colegas de trabalho da extrema direita, de usarem da exposição característica das redes sociais como escada para a política, nossos comunistas youtubers, ainda que com nuances diferentes, também trilham caminhos semelhantes. Um deles saltou da plataforma de vídeos para a disputa à governador de Pernambuco, obtendo quase trinta e quatro mil votos. Mas o que faria um comunista num posto de governador? O que todos os outros políticos fazem: acordos políticos. A ideia é, na melhor das hipóteses, mudar as coisas de dentro para fora. Mas a moda mesmo é montar em pautas sociais, pautas minoritárias e com isso angariar mais e mais capital político.

Acontece camaradas, que ou você joga xadrez com as regras do jogo, ou recusa as regras e joga qualquer outra coisa, menos xadrez. Não se joga comunismo com as regras da política partidária burguesa. E é por isso que, qualquer desses comunistas, esquerdistas etc, das redes sociais que cheguem num cargo de executivo ou legislativo, irá fazer o jogo político com suas regras e conforme prevê o script burguês. No máximo, no limite extremo – como já colocado aqui –, veremos mais pautas minoritárias ganhando espaço, o que não é necessariamente negativo mas, não contribui em nada com a revolução comunista.

E é isso! por mais que essas figuras sejam tidas ou autodenominadas como comunistas, ao enveredar por essa via da política partidária a partir da popularidade das redes sociais – ou por quaisquer outros meios –, acabam se igualando com a esquerda gratiluz e até mesmo com os políticos de extrema direita que tanto criticam. Pois ainda que individualmente em suas particularidades possam se distinguir, do ponto de vista político estarão nada mais que fazendo o jogo político que todos os outros fazem.

Mas a nossa questão aqui é que toda essa perspectiva comunista-revolucionária que quer derrubar o Estado burguês seguindo exatamente as regras estabelecidas por esse Estado, tem tido cada vez mais um espaço nas redes sociais. E, infelizmente, via estas plataformas têm causado um certo desserviço às classes trabalhadoras, como já apontamos. O que nos remete novamente a problemática: é possível utilizar-se desses espaços digitais de modo que não se esteja apontando para um flerte com o Estado burguês? Ou ainda, é possível atuar nesses feeds sem perder a seriedade que a luta pela revolução socialista merece, sem distorções, sem simplismos, sem empobrecimento teórico/prático da luta?

A princípio, a resposta para esta questão é positiva, ainda que com bastantes restrições. Isso pelo fato de que a própria estrutura por trás dessas plataformas não favorece uma abordagem séria e radical dos problemas emanados da realidade, principalmente se o tratamento desses problemas tiver como pano de fundo a transformação da realidade. O tal algoritmo é muito seletivo, privilegia discussões rasas e extremamente aligeiradas, uma vez que é exatamente isso que o público – em sua maioria – quer.

Nesse sentido, vídeos maiores que 10 minutos que tragam um debate mais aprofundado sobre questões caras à realidade atual, tendencialmente são menos entregues pelo algoritmo. Como temos acompanhado nos últimos anos, o que prevalece mais são os vídeos no estilo stories, com apenas alguns segundos de duração. Não é por acaso que redes sociais como o Tiktok, focadas neste tipo de vídeo, são apontadas como as que mais podem crescer nos próximos anos. E, nessa mesma lógica, outras plataformas têm se adequado a esse formato.

Por isso que a resposta de que sim, é possível que pessoas e grupos preocupados realmente com a superação do capitalismo possam ter um espaço nas redes sociais sem rebaixar a teoria revolucionária e sem auxiliar o inimigo, vem junto com uma necessidade de um esforço gigantesco. Este que, por maior que seja, não terá jamais a audiência que outros têm com um conteúdo que não faz caminhar um centímetro em direção à revolução comunista.

Então, qualquer tentativa contra esse padrão que predomina nas redes sociais, será certamente menos bem sucedida, pois enfrentará antes de qualquer coisa, o tal do algoritmo. Este que, claro, é feito sob encomenda por um burguês e gera excelentes dividendos para ele. Mas o esforço é válido se considerados os propósitos, e nesse sentido temos também exemplos de grupos autenticamente revolucionários que têm se lançado – ou pelo menos tentando – nesse mar de informação e desinformação que é as redes sociais. Mas como dito antes, jamais com o público que tem produtores de conteúdo meia boca.

E ainda é preciso sublinhar um detalhe importante. Esse aligeiramento das redes sociais que dificulta uma atuação autenticamente revolucionária, não nasce na internet exatamente, não foram as plataformas – seus donos e engenheiros – que num  lampejo de criatividade decidiram priorizar conteúdos supérfluos e hiper imediatos. Elas são assim porque a realidade sob o mando da burguesia demanda isso. A quem mais interessa tamanha superficialidade no tratamento de qualquer assunto senão ao próprio modo de produção vigente?

Bem, dessa breve reflexão só podemos concluir o seguinte. As redes sociais e toda a parafernália da internet estão aí e não vão retroceder em suas marchas por dois motivos: há pessoas ganhando rios de dinheiro com isso e elas atendem bem a certos interesses da sociabilidade atual. Ao mesmo tempo, mais do que nunca se torna urgente a necessidade de organização da classe trabalhadora que é super, hiper explorada em tempos de crise estrutural do capital. Por outro lado, as próprias redes sociais são usadas com muito sucesso para desinformar e até fazer com que muitos trabalhadores creiam que são classe média, empresários bem sucedidos, qualquer coisa, menos trabalhadores explorados.

Todo esse contexto, claro, cobra uma certa presença daqueles que almejam de fato o fim da exploração do humano pelo humano, no mesmo espaço onde os trabalhadores são desviados de sua ontológica necessidade: superar o capitalismo. A expectativa é que possamos fazer isso sem nos tornarmos comlulistas.

Mas o objetivo deste texto não é fornecer uma resposta para o problema apresentado. Desse modo, não obstante essa certa necessidade de nós transitarmos também por esse pantâno das redes sociais, não podemos esquecer que elas servem preponderantemente aos desígnios da ordem vigente. E se levarmos isso em conta, podemos também concluir que jamais a teoria autenticamente revolucionária terá abundância naquele lamaçal, salvo quando a própria base material que hoje sustenta as redes sociais ruir por completo.

Sem nenhuma certeza, as dúvidas continuam.

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