NL Extra | As primeiras lições do pleito de 2022

Porque o revólver já está engatilhado

E o vingador é lento

Mas muito bem intencionado

Seu Jorge, Cappelletti e Yuka

1. A senilidade da estratégia eleitoreira

A vitória de Bolsonaro ao ficar apenas 5% atrás de Lula no primeiro turno das eleições de 2022 é a demonstração de um fato há muito conhecido na luta de classes. Nesta, diferente da vida cotidiana, quem pode o mais não pode o menos. A frase é de Marx ou Engels, talvez no 18 Brumário, mas na urgência deste texto, cito de memória.

Que a política burguesa é um campo aberto para manipulações, engodos, mentiras e conchavos inconfessáveis é algo que desde Maquiavel – ao menos – já estava estabelecido. A ausência por tantas décadas de um período revolucionário faz com que a política burguesa de hoje pareça ser a única   possível. Assim, confunde-se a luta para se manter o poder do capital com as características da luta para destruir este mesmo poder. Não poucos que se pretendem revolucionários repetem a máxima de Tancredo Neves: “a política é a arte do possível”. Estão errados! A política não é “arte”, e a práxis revolucionária se caracteriza por converter o “impossível em possível” – (Trotsky, novamente citando de memória).

A ilusão de que política é a política burguesa é mortal para os revolucionários! A votação abaixo dos 0,1% dos candidatos do PSTU e do PCB demonstra – uma vez mais, tal como em todas as eleições desde a de 1986 para a Constituinte – o fracasso da estratégia de buscar ampliar a propaganda revolucionária pelos canais institucionais-eleitorais. Demonstra também o enorme sucesso burguês em moldar esses partidos em agremiações da Ordem – até mesmo de agrupamentos como o PSTU que pregam eleitoralmente a revolução.

É curioso como a maior parte dos argumentos a favor desta estratégia eleitoreira tem por base citações de Lenin e do seu texto O esquerdismo, doença infantil do comunismo. Curioso, por dois motivos.  Primeiro,  porque  os  argumentos  não  partem  de  uma  “análise  concreta  da  situação concreta” (Lenin), mas de um argumento puramente doutrinário e metafísico: se Lenin, em 1921, pregava a participação nas eleições, devemos fazer o mesmo hoje? Alega-se ser preciso aproveitar o espaço da campanha eleitoral para acumular forças no sentido revolucionário. Desde 1986, e lá se vão 36 anos e pelo menos 6 campanhas eleitorais para Presidência, em todas elas, sem uma única exceção, a estratégia deu em seu oposto. A participação dos partidos que pregam a revolução nos pleitos burgueses não apenas não acumulou forças, como ainda fortaleceu as ilusões no voto e no sufrágio eleitoreiro, que são tão caras à ideologia burguesa. O que Lenin pregava taticamente em 1921 não presta sequer taticamente para estes dias: há entre a década de 1920 e o século XXI uma crise estrutural do do capital que alterou a qualidade da totalidade do sistema do capital.

É curioso, em segundo lugar, porque se então tratava-se de uma doença de um comunismo infantil (na avaliação de Lenin), trata-se hoje da senilidade final de uma esquerda que não é capaz de romper com a ordem e assumir a luta contra o capital. Que busca se esconder atrás de inexistentes “mediações“ e conceções conspirativas, como se a consciência dos trabalhadores e operários pudesse avançar de passo em passo até atingir a práxis revolucionária. Financiadas pelo Estado, esta esquerda não pode ser outra coisa senão a morte da própria esquerda. Aqui a tragédia que envolve o PSTU: seus convictos revolucionários não podem realizar outra coisa do que convictamente servir de esquerda ao capital. Diferente do PCB, em que nem sequer esta tragédia pode ser identificada: servir ao capital faz parte de sua essência.

2. A impotência da “frentona petista”

Aos revolucionários não resta alternativa: dizer a verdade, expor a essência do capital, trazer à luz do dia as razões últimas das misérias desta civilização burguesa em seu ocaso. Que o futuro não será burguês, é indiscutível: se não nos destruirmos, será porque superamos o capital em direção à uma sociedade comunista, fundada pelo trabalho associado – que nada tem a ver com cooperativas ou fábricas ocupadas, lembremos. Sempre foi assim: a força dos revolucionários, ao contrário das forças burguesas, está em sua capacidade única em expor e escancarar a essência do capital – tudo o que as ideologias conservadoras querem velar.

Como a existência determina a consciência, em períodos em que a sociedade burguesa se reproduz “normalmente”, as ilusões burguesas parecem mais verdadeiras do que as “verdades” revolucionárias e, então, os revolucionários ficam reduzidos a pequenos agrupamentos isolados em guetos ideológicos. Em períodos de crise, as coisas se alteram. Pois a  existência também se altera.

Nesses momentos de crise, as propostas reformistas perdem espaço e ganham a consciência das massas aquelas propostas que afirmam o óbvio: todo o sistema está podre, do Supremo ao Congresso, dos valores morais à Igreja Católica, tudo precisa ser refeito. Caso a esquerda não apresente claramente as razões da crise e a necessidade da revolução, a consciência espontânea das massas tende para aquelas posições que, à direita, pregam o fim da democracia e sua substituição por uma ordem conservadora e reacionária. A força deste conservadorismo se expande com a ausência de uma esquerda revolucionária, a vantagem dos revolucionários está em que os conservadores apenas podem ser “contra tudo e contra todos” na superficialidade da vida. Ganham mais rapidamente o apoio – principalmente eleitoral – de amplas massas, mas a desilusão destas mesmas massas virá mais cedo do que mais tarde. A enorme rejeição de Bolsonaro é um indício desta tendência.

A vitória de Bolsonaro no primeiro turno de 2022 – apenas 5% atrás de Lula, depois de toda campanha da mídia e da manipulação das pesquisas eleitorais – é a demonstração cabal desta “lei histórica” – se me permitem,  pela  brevidade – a reforma do que hoje existe é apenas a sua manutenção com modificações cosméticas. O lulopetismo é apenas a reafirmação do mesmo. Foi tanto à direita que se converteu em representante da ordem, em continuidade do que já existe. Sua vitória, se vier, será contra um conservadorismo que já será a força eleitoral mais forte para 2026.

Para ganhar as eleições, o Lula do segundo turno irá ainda mais para a direita. O Lula do primeiro turno deixará saudades em muitos dos seus apoiadores nos próximos 30 dias. É apenas  isso que este reformismo é capaz de fazer: ir para a direita.

Não há como ser diferente. Os trabalhadores e operários podem destruir o capital. Mas não podem, em hipótese alguma, controlá-lo através de políticas reformistas. Por isso, ao reformista, apenas está aberta uma única via: se aproximar da direita bolsonarista para dela retirar alguns votos; algumas migalhas. A realidade escancara este fato: a única alternativa real, politicamente viável de derrotar o conservadorismo é a alternativa revolucionária. Disto decorre a debilidade presente dos revolucionários e também a sua potencial força futura!

Por isso a vitória de Lula no segundo turno, caso ela venha, será apenas mais uma derrota para os trabalhadores e operários. A esquerda eleitoreira irá naufragar nesta vitória ou nesta derrota. A defesa “incondicional da democracia” é, de fato, apenas a defesa incondicional da existência presente: a civilização burguesa em putrefação.

Por isso, abre-se um campo, como não tivemos por décadas, para que os revolucionários saiam do gueto e ganhem força social real: desde que se concentrem em expor a essência do capital sem temores para com as suas consequências no curto prazo. A verdade nem sempre é imediatamente palatável, mas é sempre a única vereda para acumular as forças revolucionárias.

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