NL 47 | Triângulo da tristeza

Frederico Lambertucci

O filme “Triângulo da Tristeza”, indicado ao Oscar nas categorias de melhor filme e melhor direção talvez seja um dos representantes mais agudos em termos de crítica a sociabilidade do capital. Para os mais atentos e iniciados em Marx, é possível mesmo encontrar em algumas de suas cenas sentenças do revolucionário alemão como retratos captados pelas lentes do diretor sueco.

O filme opera, a meu ver, em dois sentidos, em um primeiro, é metafórico, serve enquanto representação geral da sociedade do capital e suas classes sociais, e em um segundo sentido, se dedica a mostrar a mesquinharia da burguesia, sua decadência enquanto classe ao mesmo tempo que expõe as qualidades dos indivíduos enquanto atributos de classe.

Assim, apenas para situarmos um exemplo, em uma cena do terceiro ato, a demonstração de pesar e tristeza de um personagem em relação a perda de sua esposa é realizada sob o frio cálculo da racionalidade da acumulação de riqueza. O personagem em questão, lamenta a morte da esposa com seus braços envoltos nela ao mesmo tempo que se dedica a retirar suas joias.

Cronologicamente, podemos dizer que o primeiro ato dedica-se a apresentar a configuração das classes sociais, assim, a primeira cena no iate já demonstra a relação específica do que entende-se, seja a pequena burguesia, como serviçal direta e arrumadinha, com boa cara, da burguesia, que vive aqui na representação do reconhecimento do serviço prestado a essa classe através de sua boa vontade e reconhecimento. Nesse específico, é interessante notar que o servilismo se expressa através do tema dinheiro durante a maior parte do filme, o que expressa com acuidade que a pequena burguesia, em geral, é classe associada da burguesia.

De outro lado, o filme se dedica a que conheçamos, ainda que rapidamente os burgueses presentes, mas não os trabalhadores, os operários de fato, não são conhecidos, são homens e mulheres que encarnam o trabalho que se põe e que seu produto surge como que por mágica nas mesas dos burgueses, e por isso, o filme, habilmente não nos diz o nome de nenhum desses produtores reais, mantendo o caráter socialmente velado de sua relação real em relação a produção e a burguesia enquanto classe que se apropria do fruto de seu trabalho. E é interessante notar, como tal oposição é posta por um momento simples, em que na cozinha ouvimos a Internacional Comunista tocando em russo.

Em vários momentos, a dominação é demonstrada através da “boa vontade” da burguesia para com os trabalhadores, e aqui a força social que dá a potência dessa classe se explicita. A exemplo em uma cena em que uma burguesa, defendendo a igualdade abstrata, quer provar seu ponto concretamente obrigando os trabalhadores do iate a “curtirem”, e a cena, genialmente mostra que os trabalhadores estão não adorando as “benesses” da boa vontade burguesa, ao contrário, mesmo o ato de descer um tobogã até o mar, ou entrar em uma jacuzzi se demonstram como sua subordinação de classe e o controle alienado de outrem em relação a sua própria vontade, mesmo quando essa subordinação se expresse no entrar em uma jacuzzi.

Em outro momento, em duas progressões de cena, vemos o jantar e seus resultados. E entre toda a “escatologia” da cena, em que toda a merda volta para lavar os corredores e os próprios burgueses, demonstrando a crise da sociedade burguesa, a decadência de classe da burguesia, surge de forma rápida a cena do convés, e o leme sozinho com o iate a deriva. Uma cena que aos olhos desatentos pode parecer ingênua, mas que expressa justamente a incapacidade do capitalismo de direção consciente, e de modo mais rigoroso poderíamos dizer, quer expressar a incontrolabilidade do capital, ainda que os mecanismos desse modo de controle sem sujeito, o capital, não seja expresso e mesmo não seja consciente até por parte do diretor possivelmente.

E o fim do segundo ato chega com a crise total.

O último ato pode então ser definido pela ideia de que, na carência, toda a merda anterior se repõe. Isto é, ainda que sob novas bases, a diferenciação de classes se repõe, e por mais que o diretor se dedique a expressar a inutilidade social da classe burguesa, seu parasitismo, e consiga expressar que a potência social real, deriva do trabalho, ele comete o deslize de poder abrir o argumento liberal de que, o trabalho, quando elevado a força social dominante, torne-se tão egoísta e autoritário.

Deslize que pode ser evitado, simplesmente observando que a condição social produzida pela crise é a completa devastação e situação de carência, por isto o egoísmo singular e a guerra de todos contra todos por seus interesses se coloca novamente e a trabalhadora, que pela primeira vez é posta na condição social dominante, põe seus interesses a frente ao do grupo.

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