16/05/2020
Alguns aspectos da crise estão se tornando mais evidentes com o passar das primeiras semanas. O primeiro deles é que está se revelando completamente falha a expectativa de que ela seria uma crise de alguns meses e que logo voltaríamos ao que o mundo era em dezembro do ano passado. Mesmo que tenhamos, em uma hipótese otimista, uma vacina ou remédio que funcionem, ainda assim a desigualdade de riqueza e desenvolvimento no planeta tornará impossível a eliminação do vírus em alguns anos. Teremos, por isso, seguidas ondas, com clusters que explodirão mesmo nos países mais desenvolvidos. O futuro da pandemia parece ser uma sucessão de ondas, estamos vivendo apenas a primeira.
O segundo aspecto é que a doença é mais grave do que se calculava. Indícios se acumulam de que ataca o fígado, os rins, o sistema circulatório de crianças, resulta em AVCs nos mais jovens. E nada indica que a imunização seja completa ou prolongada após a infecção. Pode ser como a gripe, ou a dengue, que se pode pegar seguidas vezes. Se isto se confirmar, a amplitude das ondas será ainda maior.
O terceiro aspecto é que a crise do setor financeiro e produtivo será prolongada e profunda. Mesmo que (otimismo nas nuvens) as economias centrais, Europa, Estados Unidos, China e Japão, voltem a produzir em um ritmo razoável no segundo semestre, a paralisia da produção no restante do planeta impedirá uma recessão global. O que os governos estão fazendo, Brasil inclusive, é gastar o que não têm, gerando um crescimento assombroso das dívidas públicas. O futuro é um desequilíbrio fiscal que deverá ser coberto, a curto prazo, por emissão de moedas. A médio e longo prazos, não se tem ideia de como o sistema poderá se equilibrar sem uma catástrofe financeira que feche os bancos e as bolsas de valores mundo afora. A edição europeia do The Economist de 9 de maio faz um alerta neste sentido.
O quarto aspecto é que as desigualdades tenderão a aumentar, em um mundo que já é o mais desigual de toda a história da humanidade. O complexo farmacêutico-hospitalar nada de braçadas na crise. Remédios cujas produções custam 5 dólares são vendidos a mais de 18 mil dólares, o preço dos equipamentos hospitalares aumenta toda semana, a busca de uma vacina, com pesquisas sempre financiadas pelo Estado ou por instituições públicas, já é uma concorrência entre diversos capitais e países e promete uma elevadíssima lucratividade. Com a crise de setores importantes da economia (petróleo, automóveis e autopeças, confecção, vidro, papel e celulose, serviços em geral etc.), há uma concentração de capital em outros setores. O crescimento da Amazon está fazendo história.
Para onde iremos?
Há já alguns anos, principalmente desde as denúncias de Julian Assange e Edward Snowden, não é mais segredo que os Estados estão desenvolvendo mecanismos de controle dos indivíduos através de sofisticados softwares e do desenvolvimento da informática e da internet. O Estado chinês, neste aspecto, está na dianteira. Seu sistema de controle das pessoas, dos hábitos, costumes e deslocamentos, tem se mostrado eficiente controle não politicamente, mas também no plano econômico.
A estabilidade do atual sistema econômico é, agora, inserida como parte da segurança nacional e, nesta medida, tanto os hábitos de consumo quanto as opiniões acerca do governo são, igualmente, questão de segurança nacional. Recentemente o site ExpressVPN noticiou que o governo chinês estava investigando pessoas que tinham o hábito de deixar a casa pela porta dos fundos, pois possui opiniões negativas do governo proporcionalmente uma parte maior destes indivíduos do que a população em geral. Essa vigilância é feita em todas as casas, em todos os quarteirões, por câmeras de segurança, drones e coisas do estilo. Muitas vezes, com a colaboração da população, que instala câmaras e redes de segurança conectadas à internet para segurança familiar ou da propriedade. Grande parte destas tecnologias são desenvolvidas a serviço do complexo industrial-militar, desde os programas de reconhecimento facial até os drones que fazem entrega pela Amazon e outras empresas etc.
Alguns destes mecanismos de controle já estão incorporados no nosso dia a dia no Brasil. Os apps de trânsito, que nos indicam a rota a seguir, servem também para distribuir os veículos pelas ruas e avenidas, diminuindo o trânsito e aumentando a eficiência do transporte em geral. Mas, também, fornecem informações de como usamos o carro, por onde passamos, com que frequência fazemos tal trajeto e assim por diante. Nossos cartões de crédito fornecem, ao Estado inclusive, todos nossos hábitos de consumo e, ainda, nossa localização. Por vezes, quando solicitados, em tempo real. Nossos dados médicos privados são compartilhados com as seguradoras de saúde… a lista é considerável. O Windows 10, que se generaliza entre os computadores, envia para a Microsoft tudo o que aparece na tela do computador (desde as senhas que são digitadas, até os sites que são visitados, desde os textos escritos até as mensagens e fotos trocadas, etc.). Os celulares podem ter suas câmeras e microfones acionados remotamente, mesmo estando desligados – e isso é feito regularmente pelos governos.
Com a pandemia, estas empresas e estas tecnologias estão se apresentando como “a” alternativa para se administrar um novo mundo com tamanha insegurança sanitária. O problema está na passagem de vírus dos animais silvestres para os seres humanos devido à insana destruição do planeta promovida pelo capital? Então adota-se um mecanismo de controle para localizar logo no início os novos vírus com programas que mostram o contato das pessoas, de tal modo que automaticamente teríamos o caminho do vírus e quem e quanto deveria ser isolado para que o vírus seja controlado. Não se altera em nada a destruição do planeta, pelo contrário, mantém-se o caráter destrutivo, alienado, da sociedade burguesa. Com as novas tecnologias e os novos controles, o capital mantém sua acumulação, as desigualdades sociais aumentam, as misérias se tornam cada vez maiores apesar da produção crescente e, caso tenhamos revoltas e revoluções, o controle sobre os indivíduos somado ao desenvolvimento do complexo industrial-militar é um bom mecanismo para enfrentar as ameaças à segurança nacional. Com o Home Office obtêm-se uma enorme vantagem. Enquanto o custo do ambiente de trabalho passa a ser o da casa do trabalhador, uma enorme economia para a empresa, ainda toda comunicação entre os trabalhadores passa pela internet e pode, assim, ser vigiado em tempo real. O isolamento deixa de ser apenas físico, passa a ser também o isolamento de ideias e opiniões: a censura levada ao extremo de controlar toda a comunicação entre os trabalhadores.
Naomi Klein, em um artigo republicado no dia 13 de maio último no The Guardian, narra o quanto as grandes empresas como a Google, a Microsoft, a Oracle, a Apple etc. estão pressionando o governo americano para duplicar as verbas empregadas no desenvolvimento e no emprego destas tecnologias e o quanto estão se esforçando para se apresentar à sociedade como a melhor ferramenta para controle das pandemias e, portanto, de manutenção da economia. O fato de que a economia já vinha a caminho de uma enorme crise mesmo antes do Coronavírus, o fato de que a desigualdade não para de crescer e as tensões sociais só aumentam, o fato de que a humanidade está se suicidando como nunca, pois não mais se aguenta viver nesta civilização tão desumana, nada disso tem qualquer importância. A aposta das grandes empresas do complexo industrial-militar e dos gigantes da comunicação e da informática é uma sociedade que tenha o controle da vida cotidiana de todos nós de tal modo a manter o que já existe. Maior tecnologia, melhor comunicação, internet mais rápida, melhor controle das pessoas, maior controle dos novos vírus … teremos apenas o mais do mesmo! A entrada das tecnologias 5G parece ser um salto tecnológico indispensável e que deve se generalizar nos próximos poucos anos. Em troca deste mecanismo de controle, requerem de nós a concordância para a manutenção e aprofundamento da essência do capital. Mais destruição do planeta, mais desemprego, miséria e depressão, mais pessoas famintas, mais doenças e mais repressão: enquanto os 1% mais ricos dos EUA aumentaram sua participação na riqueza daquele país em 10% nos primeiros três meses da crise, esta mesma crise ameaça matar de fome 265 milhões de pessoa planeta afora só neste ano. Este é o mundo que o capital preparando para nós.
Será este o mundo em que queremos viver?